Se olharmos para a realidade francesa de forma mais aligeirada podemos inquietar-nos com os impasses da esquerda e da direita, enquanto crescem os apoios populares a marine le pen. Mas, se tivermos em conta os livros, que vão aparecendo nas livrarias e espelham o pensamento da sua intelectualidade, vai fazendo o seu caminho uma crescente denúncia das piores práticas do capitalismo.
Valerá, pois, a pena dar uma olhadela ao que neles se vão revelando.
Michel Pinçon e Monique Pinçon-Charlot são os sociólogos que assinam «Tentative d’évasion (fiscale)» (ed. Zones/ La Découverte), onde denunciam a vigarice monumental atualmente em curso pela classe dominante, através da fraude que tudo corrompe.
Nos últimos vinte anos a evasão fiscal tornou-se cada vez mais eficaz na sua opacidade, através de mecanismos complexos em sociedades offshore, capazes de esconderem a identidade dos proprietários de rendimentos e apagar a ligação entre eles.
Na Suíça de hoje, quando um milionário quer abrir uma conta num dos seus bancos as reuniões para a concretizar são numerosas e prolongadas de forma a melhor libertar os clientes dos seus constrangimentos fiscais nos países de origem. Mas, porque se sabem sob o escrutínio de uma comunicação social cada vez mais atenta às suas práticas, esses mesmos bancos adotam maiores precauções, filtrando os novos clientes de forma a não porem em causa essa tal fraude, que querem perenizar.
Por seu lado, Jonas Lüscher , o autor de «Le Printemps des Barbares» (ed. Autrement), acredita que os bárbaros do título são os corretores britânicos da City, cujo vencimento obsceno permite comprar tudo, menos carácter.
O romance tem por protagonista um desses corretores, que preparou uma luxuosa festa para celebrar o seu casamento na Tunísia, fazendo-se acompanhar de umas largas dezenas de convidados, que incluem os familiares dos noivos e os seus colegas da City.
Durante uns dias todos esses personagens usufruem as belas paisagens do deserto enquanto bebem Dom Pérignon.
Existe, igualmente, um outro personagem importante, o suíço Prixxing, que acabou de vender a sua parcela na empresa familiar a um ambicioso ex-jugoslavo, e também decidiu viajar para a Tunísia para descansar… e começar a olhar concupiscentemente para a mãe do noivo, a quem o esposo pouco liga.
De repente as notícias vindas de Londres começam a inquietar e tornam-se ainda mais paradoxais no dia seguinte à boda, quando a maioria ainda estava a recuperar do coma etílico em que caíra: a Inglaterra entrou em bancarrota e a libra esterlina passou a nada valer.
A consequência imediata é a impossibilidade de todos os convidados recorrerem ao cartão de crédito: se na véspera tinham meios para comprar o palácio onde está instalado o hotel de cinco estrelas, agora nem sequer conseguem pagar uma garrafa de água mineral do minibar.
É uma autêntica tragédia a que se abate sobre toda aquela gente: a exemplo do antigo povo judeu, formam uma caravana pelo deserto adentro, formando uma fila de sombras vacilantes num cenário cada vez mais inóspito.
Afinal os britânicos conseguiram superar os gregos na dimensão da sua bancarrota. E Jonas Luscher, numa entrevista, até nem considera tal hipótese como improvável: “não aprendemos as lições da última crise económica de 2007 de que a tragédia grega é uma óbvia consequência.
Houve algum esforço para regular melhor os fluxos financeiros, mas o sistema não chegou a ser reestruturado. As agências de notação financeira continuam a deter um poder injustificado.
E quanto aos fundos de investimento nenhum controle foi imposto. A taxa europeia para as transações financeiras, que poderia limitar os fluxos incessantes, não saíram do papel e a maioria dos bancos estão envolvidos em escândalos por praticas fraudulentas.
Veja-se o que se acaba de passar no Reino Unido: o governo conservador acaba de despedir o patrão da Comissão Reguladora e diminuiu as taxas no setor financeiro.”.
O livro de Lüscher é bem humorado e subtil na forma como mostra a transformação dos jovens lobos da City em bárbaros sem fé nem lei, capazes de vandalizar frigoríficos para se apossarem da comida, que já não podem comprar, ou de esventrarem os próprios camelos em que se fazem transportar, quando a fome os aperta. No fim até causam um enorme incêndio no palmeiral do oásis onde se tinham acoitado.
É essa a forma como Lüscher anuncia que o pior está por vir: “O próximo desastre financeiro não estará muito distante. E nós não nos preparámos para ele!”
Sem comentários:
Enviar um comentário