No texto anterior já apresentara a protagonista deste romance de Christopher Priest: aos 43 anos, recém-enviuvada, Teresa Gravatt volta a Inglaterra, onde vivera na infância, para compreender o que se passara em Bulverton no dia da morte do marido: a exemplo do sucedido no Texas um psicopata pusera-se a disparar sobre todas as pessoas ao seu alcance matando vinte e três.
Nick, o proprietário do hotel, explica-lhe o seu estado depressivo: “o engraçado é que os que morreram é que escaparam. Porque não tiveram que viver com isto depois. Às vezes, sobreviver é pior que estar morto. As pessoas sentem-se culpadas por terem sobrevivido, quando um amigo, um marido ou mulher morreram.” (pág. 93)
Partilhando confidências Teresa conta-lhe ter perdido o marido num tiroteio quase idêntico. O assassino chamava-se Luther Aronwitz e era uma réplica de Gerry Grove. Por isso estava ali, para perceber se tudo não passara de uma coincidência ou se haveria explicação mais racional. Além de agente do FBI, Andy era mais do que isso: estudava a psique dos serial killers, mormente os estímulos capazes de despoletar as suas intenções assassinas.
Os dias passam e Teresa começa a pôr em questão a presença ali: Bulverton “era uma cidade costeira monótona, cansada, infeliz, cheia de más recordações e sem uma conceção de futuro. A verdadeira Bulverton estava a enfraquecer-lhe a determinação, fazendo com que pensasse em Andy mais do que queria ou precisava. E então perante as perdas que algumas daquelas pessoas tinham sofrido não ajudava nada. Não se sentia confortada por elas e a inutilidade desoladora de tudo o que acontecera, a fútil perda de vidas, o niilismo estúpido e trágico do atirador só sublinhavam a sua tragédia pessoal.” (pág. 156)
No mesmo hotel onde Teresa está alojada, também surgem quatro executivos de uma empresa de Taipé, a GunHo Corporation, que a convidam a sair daquelas paragens e, sobretudo, a não utilizar os serviços propiciados pela ExEx. Porque eles estavam a criar o programa virtual sobre os crimes de Gerry Grove e ela poderia contaminar-lhes o trabalho com as suas perguntas e até com a sua presença.
Obviamente que ela rejeitará essas pressões e até se torna cliente mais assídua da empresa de entretenimento. “ Por essa altura, já Teresa pesquisara o catálogo de cenários vezes suficientes para conseguir encontrar rapidamente aquilo que queria, mas a enorme extensão da amostra de software e a complexidade da própria base de dados ainda a intimidavam.
A sensação de infinito por descobrir provocava-lhe um sentimento maravilhoso de liberdade, dificultando-lhe as escolhas. Cada vez que fazia uma nova seleção, aparecia uma outra variedade de opções ilimitadas em que todas se desdobravam ainda em mais escolhas, cada uma proporcionando vários níveis de opções infinitamente variadas e detalhadas; cada uma dessas seleções era um mundo próprio notavelmente completo, cheio de ruídos, cor, movimento, incidentes, perigo, viagens, sensações físicas.” (pág. 197)
Por esta altura do romance Teresa ainda não suspeita as experiências, que irá viver. E em que os dois lados do espelho, o exterior e o interior acabam por se tocar bem mais do que julgaria alguma vez possível...
Sem comentários:
Enviar um comentário