Prosseguimos hoje a abordagem dos contos de Alice Munro inseridos na coletânea «O Progresso do Amor». Hoje revisitamos três deles !
No primeiro, «Círculo da Oração» temos Trudy a chegar a casa, depois de mais um turno no Asilo de Adultos Doentes Mentais, e constata que a filha, Robin, roubara o colar da avó guardado no jarro, que Dan fizera quando frequentara o curso de olaria.
Este último abandonara a mulher e a filha, trocando-as por uma jovem já com três filhos pequenos, mas ainda apostada em estudar Direito.
É claro que Trudy pressente a motivação da filha: a exemplo das colegas, pretenderia colocar a joia no caixão de Tracy Lee, a colega de escola, a quem a inconstância dos 14 ou 15 anos a levara a meter-se no camião do namorado da irmã para, com ele, chocar contra uma árvore.
“A única coisa que quero é saber porque fizeste isso. Foi apenas para te exibires? Como o teu pai - por exibicionismo? Não é tanto pelo colar. Embora fosse lindíssimo - eu adoro contas de azeviche. Era o único objeto que tínhamos da tua avó!” (pág. 266)
Temos, pois, um contexto familiar periclitante, adolescentes a crescerem demasiado depressa e um paliativo fútil como única solução disponível: o tal Círculo da Oração, que dá nome ao conto.
Mas a insatisfação pode optar por outras soluções, como é exemplo o adultério no conto «Refugo Branco». Nele encontramos Denise que, uma ou duas vezes por ano, vem de Toronto para visitar o pai e a madrasta e, sobretudo, afastar-se por uns dias da insatisfação dos seus dias passados a trabalhar num centro para mulheres vítimas de maus tratos.
“O seu namorado, um marxista bem disposto, oriundo das Caraíbas diz que os velhos que triunfaram numa sociedade industrial capitalista representam o puro mal. (pág. 275)
É, pois, por desfastio, que acaba por se entregar a outro homem.
A insatisfação das personagens femininas pelos conjugues ou pelos amantes, também encontra eco noutro conto, «Esquimó». Nele encontramos Mary Jo, uma secretária que voa a caminho do Tahiti para usufruir a prenda do amante e patrão, o dr. Stratter. Que nem sequer a consultara a respeito da prenda de Natal com que a brindara. Porque é outra a vontade dela: “apetecia-lhe tudo menos partir.(…) Ela adora o consultório, adora a sala de espera, as luzes acesas nas tardes geladas e sombrias; adora os reptos e a monotonia do seu emprego. Às vezes, no final do dia, o dr. Streeter vem ter consigo ao andar de cima; ela faz o jantar e ele fica parte da noite…”(pág. 196)
Atenta ao que se passa em redor, Mary Jo estranha ver no outro lado da coxia uma jovem esquimó, que parece contrariada. E logo a imagina vítima de abusos sexuais por parte do homem mais velho, que a acompanha.
Embora Alice Munro o não diga, pressente-se que Mary Jo repudia no que vê a sua própria relação com o dr. Stretter. Razão para a querer ajudar. Mas, quando a tal se decide, vê a rapariga afastar-se aos beijos intensos com o seu acompanhante.
Convenhamos que as protagonistas das histórias de Alice Munro vivem desfasadas da realidade que as cerca.
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