Há atores franceses de quem não perco um filme, tão superlativas me parecem sempre as suas interpretações. No caso feminino isso acontece com Sabine Azéma, cuja gestualidade expressiva torna fascinante cada uma das suas interpretações, porque sente-se ir muito além do especificado nas indicações do realizador.
No caso masculino essa admiração vai para Fabrice Luchini cuja dicção do texto é exemplar e quase sempre assume desempenhos, que muito devem à melhor literatura. Como acontece neste filme de Anne Fontaine.
Ele desempenha o papel de Martin Joubert, um homem de meia idade, que voltou para a Normandia há sete anos para tomar conta da padaria paterna. Para trás ficaram doze anos de atividade editorial numa casa parisiense onde passava os dias a ler teses universitárias.
Está mais feliz agora do que quando se sujeitava ao ritmo frenético da capital? Não tanto, porque sofre de uma aguda tendência para ver a realidade pelos arquétipos literários dos seus romances preferidos. De entre eles figura «Madame Bovary», que lera aos 16 anos e nunca mais lhe permitira esquecer essa mulher que se aborrecia. Ademais, fora na Normandia, que Flaubert escrevera o conhecido romance.
A excitação ainda se torna maior quando ganha um casal inglês como novos vizinhos. Ele chama-se Charles, ela é Gemma, mas o apelido, em si, tira-lhe quaisquer dúvidas quanto a não se tratar de mera coincidência: Bovery.
A pintora inglesa é uma mulher fascinante, em quem Martin deteta a mesma incomodidade com a banalidade dos dias já conhecida em Emma Bovary. Não se surpreende, pois que, na sequência de um acidente alérgico com uma abelha a veja aproximar-se afetivamente do jovem Hervé de Bressigny, que a socorrera, e vive no castelo da aldeia para onde viera preparar os seus exames de Direito. A paixão súbita de ambos torna-se quase incontrolável, levando Gemma a correr grandes riscos para que Charles lhe não descubra o adultério.
Se ainda tinha alguma dúvida, Martin já as esclareceu: o rapaz é a personificação de Rodolphe no romance, e por isso terá de dar tratos à imaginação para evitar a Gemma o triste desenlace de Emma Bovary.
Arma, por isso, uma cilada a Hervé e escreve por ele uma carta de despedida, que deixará Gemma transtornada. Tanto mais que, ciente do que andava a acontecer, também Charles a deixa no mesmo dia, regressando a Londres.
Quando Martin já descansa quanto ao perigo de vida, em que Gemma incorria devido à volubilidade dos seus sentimentos, eis que surge Patrick, um antigo namorado apostado em reconquistá-la. É ele, afinal, quem presenciará a morte dela num dia em que a tenta convencer a voltar para o seus braços e ela morre engasgada com um pedaço de pão confecionado amorosamente por Martin.
Será que é demasiado arriscada a imitação da vida a partir dos romances? Eis a questão deixada pelo filme, que logo a desconstrói, quando o filho de Martin o convence da origem russa dos novos vizinhos, que até se chamariam Kalenina e, afinal, é apenas um logro para dele troçar.
O melhor será convence Martin que ficção é ficção e realidade é realidade, nada havendo a interliga-las...
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