Sempre apreciei os ambientes suscitados pelas ficções criadas por John Le Carré. Os maniqueísmos enfadam-me e sinto maior simpatia por personagens complexos, nem inteiramente santos, nem biltres.
As histórias com heróis irrepreensíveis e com vilões da pior espécie podem ter cabimento na lógica de um tipo de cinema destinado a servir de alibi visual para se consumirem pipocas e coca-cola, mas decerto nada adiantam a quem procura alimento cultural de maior substância.
Vem isto a propósito de «O Homem mais Procurado», estreado entre nós há cerca de um ano e só agora objeto da minha atenção.
Philip Seymour Hoffmann interpreta o personagem Günther Bachmann, que chefia um departamento clandestino dos serviços secretos alemães dedicado aos suspeitos de terrorismo.
Apesar de um passado complexo - ele vira exposta a sua rede de agentes em Beirute, que por isso encerrara com numerosas vítimas - ele ainda é capaz da sagacidade de diferenciar os verdadeiros alvos dos que são meros peões dentro do conflito maior entre idiossincrasias culturais.
Por isso, quando um checheno surge em Berlim para receber a fortuna legada pelo progenitor, ele dá menos importância à sua militância jiadista do que à possibilidade de lhe servir para desmascarar uma sociedade de navegação cipriota por onde circula muito do dinheiro destinado às atividades terroristas.
Por momentos, Bachmann chega a crer na possibilidade de convencer a CIA e o seu ministro da excelência de tal estratégia. Que passa por negociar contrapartidas com quem entretanto obriga a romper os laços criminosos. Mas, numa sociedade de espetáculo, os governos apreciam muito mais a aparência de sucesso na luta antiterrorista do que os efetivos resultados concretos de quem mostra talento para a liderar na clandestinidade. E o velho espião acaba enganado por todos no preciso momento em que vislumbrava, enfim, o sucesso da sua visão estratégica.
Não deixa de ser relevante o facto desta história de John Le Carré se ter baseado no caso concreto de um turco preso injustamente em Guantanamo.
Fica, pois, a curiosidade cinéfila de ser o último filme interpretado por Philip Seymour Hoffmann, mas sobretudo a demonstração do cinismo de quem faz do poder a permanente representação de um mundo virtual só a espaços coincidente com a crua realidade em que se baseia.
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