quinta-feira, agosto 26, 2021

Frances, Graeme Clifford (1982)

 

Tal qual existem obras de pintores amadores, que alcançam a qualidade de muitos dos profissionais, mesmo que estejam cientes de não se lhes poderem equiparar, também existem filmes de esforçados artesãos, incapazes de alcançarem o prestígio dos reconhecidos como talentosos autores.

Graeme Clifford é um caso paradigmático desse tipo de constatação: de origem australiana fez boa parte da carreira na televisão onde se incumbiu de episódios tão diversos quanto o foram as séries «Os Vingadores» ou «Twin Peaks». Mas tem, igualmente, o currículo marcado pelas colaborações com Robert Altman que não prescindiu da sua ajuda em muitos dos mais interessantes títulos que realizou.

O ponto alto da filmografia de Clifford foi Frances em 1982, que retratou o trágico destino de Frances Farmer, uma atriz muito conhecida dos anos 30, quando contracenou com Bing Crosby ou Cary Grant em filmes de grande sucesso. E, no entanto, logo se viu presa na teia lançada pela sinistra mãe, Lillian, que a fez internar em vários manicómios ao assumir-se como sua tutora legal. Quando recuperou a liberdade nos anos 50, Frances ainda tentou relançar-se, mas só conseguiu trabalhos esporádicos na televisão até o cancro a vencer em 1970, contava apenas 56 anos. Para trás tinham ficado anos de rebeldia na adolescência, chegando a causar escândalo com a negação da existência de Deus num concurso de oratória.  Depois, dentro da Paramount, prosseguiu a via anticonformista até por se ter ligado a Clifford Odets, um dos dramaturgos conotados com o Partido Comunista e que seria investigado pela Comissão de Atividades Antiamericanas, embora tenha-se então comportado com a mesma insidiosa conduta de Elia Kazan. Para Frances, porém, a desilusão, fora anterior, porquanto ele demonstrara-lhe ser um daqueles esquerdistas de salão mundano cuja coerência desaparecia, quando dele saía. Por essa altura Hollywood surgia-lhe como a impiedosa e alienante fábrica de mentiras atirando-a para os precipícios psiquiátricos.

No filme Sam Shepard faz de Harry York, o amigo que tenta livrar Frances da deriva mental sem o conseguir, porque, a exemplo de Voo sobre um ninho de cucos, os manicómios eram infernos carcerais, que agravavam o periclitante estado mental dos que tinham a desdita de neles serem internados. A exemplo do personagem de Jack Nicholson no filme de Milos Forman, também Frances foi agredida e lobotomizada.

Inscrevendo-se num tipo de cinema, que estava a desaparecer dos ecrãs pelo crescente sucesso dos blockbusters, Frances foi exemplo de um debate muito aceso na época sobre os excessos da psiquiatria. 

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