quarta-feira, agosto 25, 2021

Viver, Akira Kurosawa (1952)

 

É tema recorrente na História do Cinema: realizadores que, por volta dos quarenta anos, começam a fazer o balanço do que fizeram até aí e preocupam-se em deixar algo de perene para além da morte. Bergman fá-lo-ia com O Sétimo Selo em 1957, Kurosawa antecedê-lo-ia em cinco anos com este Viver. Tratar-se-ia de um dos seus filmes mais pessoais, mesmo que os produtores o tenham impedido de cumprir o projeto de abordar o tema em 260 minutos divididos em dois filmes. Ele ficou-se pelos 163 num só  filme, ainda que mantendo o parcelamento em duas partes. Na primeira temos um burocrata, Kenji Watanabe (o habitual intérprete dos filmes do realizador, Takashi Shimura) a descobrir-se com um cancro no estômago, que promete matá-lo muito em breve. Daí que olhe para todo o passado e conclua o quanto o desperdiçou: a mulher morrera-lhe muito nova e não conseguira criar laços com o único filho, entretanto dele muito distanciado. No emprego limitara-se a socorrer-se das normas municipais para vetar as pretensões dos que acorriam ao seu escritório, não sentindo escrúpulos em desfeiteá-los..

Nem Amor, nem Amizade, tinham sido sentimentos que potenciara em si. E sabe agora o quão pouco tempo lhe resta para corrigir esse fracasso. O funcionário cumpridor passa a faltar ao trabalho, a embriagar-se e a frequentar bordéis numa deriva suicida, que trava a tempo. Decide então concentrar-se no derradeiro projeto: facilitar a criação de um parque publico num terreno pantanoso, sendo por isso mesmo objeto do reconhecimento dos que dele irão aproveitar.

Na segunda parte há algo de Citizen Kane, embora fosse filme desconhecido de Kurosawa à data em que rodou este Viver: na festa do velório diversos dos presentes evocam Kenji e, mediante os respetivos flash backs ajudam-nos a melhor conhecer a sua personalidade. Por momentos até somos levados a crer que, trabalhando alguns nas mesmas funções, algo terão aprendido com a sua lição de vida, passando a ser diferentes. Mera ilusão, porque não tardarão a mostrar-se tão friamente burocratas quanto ele (quase) sempre fora.

Há porém uma diferença entre Kenji e Charles Foster Kane: enquanto este último não voltara a encontrar a sua Rosebud, aquele recuperara o momento de infância em que fora extremamente feliz, quando se movimenta no baloiço numa inóspita invernia. E isso basta para, de algum modo, morrer com a sensação de algo de bom ter realizado.

(o filme está disponível na plataforma Filmin) 

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