terça-feira, agosto 10, 2021

Um nazi em perturbadora reabilitação

 

A traição também é tema incontornável, quando se trata do escritor francês: Louis Ferdinand Céline. Fervoroso antissemita era entusiástico apoiante da solução nazi para aquele que considerava ser o «problema judeu» e, por isso mesmo, só o exílio na Dinamarca, quando os Aliados preparavam-se para libertar o país, o livrou do pelotão de fuzilamento a que se sujeitaram Brasilach e outros notórios colaboracionistas com os ocupantes.

Daí que nunca tenha entendido o entusiasmo de alguns pela sua obra: o de Baptista Bastos, quando exaltava o valor literário de Viagem ao fim da noite. O de um ator talentoso - Fabrice Luchini - que faz espetáculos com textos do biltre. E, sobretudo, o de todo um meio intelectual, que faz por esquecer o homem por trás dos textos por si exaltados.

Agora as terras francesas andam em polvorosa não só pela agitação negacionista dos sucessores de Céline quanto a ideias de extrema-direita, mas também pela revelação de uns milhares de páginas inéditas, que estiveram resguardadas por um antigo jornalista do Libération, mas devolvidas à família por ordem dos tribunais. E há já quem se exalte com aquele que promove como o grande acontecimento literário do ano: a divulgação das páginas, que tenderão a promover essa imagem do nazi enquanto «escritor genial», decerto sonegando as reveladoras da sua verdadeira natureza.

Pessoalmente mantenho-me na minha: não separo o homem do criador e isso justifica o asco a que me poupo escusando-me a ler-lhe a mais inofensiva das frases. 

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