Está prevista para setembro a estreia de «A Cordilheira dos Sonhos», a terceira parte do tríptico rodado pelo chileno Patricio Guzman e de que já conhecêramos os excelentes «A Nostalgia da Luz» e «O Botão de Nacar».
O terceiro filme, que mereceu honras de abrir o Festival de Cannes em 2019, revela-se tão sedutor quanto os anteriores. Se o que era passado no deserto de Atacama estava focalizado nos céus prospetado pelos astrónomos dos observatórios aí localizados, mas também nas incansáveis mães dispostas a vasculharem todos os grãos de areia para encontrarem os restos dos filhos desaparecidos, e o segundo tinha na água o elemento dominante para lembrar o genocídio dos ameríndios da Terra do Fogo, este tem a Cordilheira dos Andes como omnipresença, mesmo que ignorada por quem vive no vale adjacente, aquele em que se localiza Santiago.
Guzman reconhece que, ele próprio, sentia a indiferença dessa presença enquanto vivia os entusiasmantes tempos da Unidade Popular liderados por Salvador Allende. Mas adivinha que aquelas pedras a tudo assistiram enquanto os militares assassinavam e torturavam milhares de presos políticos. Se elas falassem muito teriam a revelar sobre o quanto há ainda a aclarar sobre esses tempos terríveis. Perante o seu silêncio há que valorizar o esforço indómito de Pablo, um cineasta dotado de uma coleção de milhentos suportes de imagens colhidas antes, durante e depois da queda de Pinochet. A História chilena desses anos terá nessa vasta coleção um incontornável rol de testemunhos. Mesmo que os compatriotas de hoje pareçam alheios a esse passado que já lhes parece secundário perante as preocupações e reivindicações do presente. Na realidade elas radicam todas no neoliberalismo instituído pela ditadura e que impôs o primado da rentabilidade em todos os setores, mesmo naqueles que deveriam ser bens públicos. O cobre, recurso natural de que o país mais dispõe, foi transferido para mãos estrangeiras, de pouco valendo para quem dele mais deveria aproveitar.
Razão para o pessimismo de Guzman, que lamenta ter sido obrigado a viver muitos mais anos no exílio europeu do que no país, que nunca deixou de amar e de filmar. De alguma forma a Cordilheira é para ele esse Chile metaforizado pela praticante de escalada, que vai subindo esforçadamente uma falésia demasiado alta para conseguir chegar ao topo.
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