Numa altura em que frequentei um curso em Hvidovre, nos arredores de Copenhaga, era canónico o passeio do fim da tarde entre a praça do Palácio Real e da entrada do Parque Tivoli e a Pequena Sereia à beira-mar passando pelas ruas pedonais onde se exibiam os muitos artistas de rua, alguns deles dotados de talentos espantosos, que se julgariam suficientes para palcos mais profissionalizados.
A pequena escultura da personagem de Hans Christian Andersen tornava-me pertinente a importância atribuída pelos dinamarqueses ao escritor de contos infantis do século XIX.
Por essa altura já encantara a minha filha com a videocassete do filme da Disney ou já me deliciara com a descrição da Elza a respeito do seu lancinante choro de compaixão pela menina dos fósforos, quando lhe lera a história. Mas, antes, em criança, tivera em «O Patinho Feio» uma das histórias mais impressivas, que me tinham contado, solidarizando-me naturalmente com esse personagem sujeito às humilhações dos demais.
Ainda assim, anos a fio, desqualificara Andersen como um mero escritor de histórias infantis como se, literariamente, elas valessem muito menos do que outros géneros ficcionais. Só mais recentemente comecei a olhar para a obra do escritor como denúncia óbvia das desigualdades sociais do seu tempo, mas realmente intemporais, porque o racismo, a xenofobia, a cupidez dos ricos em contraponto com o desespero dos pobres continuam plenamente atuais. E, no entanto, foi com esse tipo de histórias, que o antigo filho de um sapateiro e de uma lavadeira acedeu ao convívio com os aristocratas do seu tempo, garantindo pela escrita uma ascensão social fulgurante, embora sem nunca se desinteressar das razões que garante os hereditários títulos de nobreza a uns e a miséria irremediável aos outros.
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