1. Passam hoje vinte cinco anos sobre a atribuição do Nobel da Literatura a José Saramago. E, mais do que o sentimento de vindicta contra Cavaco, Santana Lopes e Sousa Lara, que o tinham destratado com inqualificável obscenidade, nesse dia convenci-me em como, a exemplo do sucedido com outros grandes escritores igualmente galardoados com o mesmo prémio, a Academia Sueca consegue, amiúde, reconhecer os que melhor usam o talento para carpinteirarem palavras e frases e encantarem-nos enquanto leitores. Agora venha novo prémio para a literatura lusófona com a sua atribuição a Mia Couto...
2. À segunda tentativa estou a levar a leitura de As doenças do Brasil até ao fim depois de uma primeira abordagem frustrada em que, ao contrário do sempre sucedido com os romances de Valter Hugo Mãe, não consegui sentir adesão imediata.
Mas, no entanto, até existem propósitos, que não distarão muito, no conteúdo e na forma, do empreendido por Le Clézio nalgumas das suas obras, dando expressão a personagens de outras culturas.
Com a diferença de existir aqui um propósito na exploração das diferenças entre índios, brancos e negros que, mesclados, deram origem ao atual Brasil. Com as personagens femininas a isso forçadas violentamente, ou a aprestarem-se opcionalmente a cumprirem papel fundamental nessa mestiçagem.
3. Voltando ao romance de João de Melo, Gente Feliz com Lágrimas, há também a revelação de muitas das doenças lusas: a miséria, a religiosidade doentia, a incultura, a ilusão emigradora, o ressentimento da derrota colonial e, no final, a impossibilidade de uma felicidade conjugal, que se julgara possível, mas fora afinal um logro para o elo mais fraco do casal.
Lido lentamente, para melhor fruir da complexa construção, o romance continua a fascinar numa segunda leitura, que revela-se ainda mais interessante do que a vivenciada na descoberta inicial há trinta e cinco anos.
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