sexta-feira, outubro 13, 2023

As equívocas habilidades de um inglês amoral

 

John Le Carré visitou Panama City a meio dos anos 90, quando os norte-americanos ainda aí dominavam embora, a contragosto, estivessem comprometidos a entregarem o controlo do Canal em 1996. Tratava-se de um cenário ideal para o escritor britânico situar uma das suas histórias de espionagem aqui condimentadas com o clima de corrupção prevalecente nas elites ligadas ao regime que se sucedera à ditadura de Noriega. Droga e ganância não tinham desaparecido com o rapto e enclausuramento do general.

Segundo confessaria depois, Carré procurava o tipo de escroques e vigaristas cujas transações ilegais pudessem apimentar a vida de um inglês amoral. Este era Andy Osnard, um espião mal sucedido, que procurava redimir-se junto das chefias com um feito, que as convencesse a dele não prescindirem. E, para tal contratava como cúmplice Harry Pendel, um alfaiate desejoso de se conferir a importância que não tinha junto da bela Louisa, com quem casara à conta da mistificação do seu valor, que seria o de partilhar os segredos dos clientes e influenciar-lhes as decisões.

Osnard orientava Pendel para questioná-los de forma a criar uma trama justificativa dos argumentos necessários para que o Ocidente não entregasse o canal aos panamianos, mas essas mentiras - afinal não muito diferentes das que já tinham estado na origem da invasão de 1989 - pecavam por não terem a consistência, que infletissem o intenso repúdio internacional, que respondera a essa afirmação imperialista, que se saldara pela morte de centenas de panamianos.

Utilizando os humores da geopolítica como matéria ficcional para as suas histórias, John Le Carré demonstrou que o romance de género poderia emancipar-se dos respetivos códigos e valerem por si mesmos ao lado dos que alcançavam relevância universal. 

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