Para além da sinistra experiência com os Lusíadas - que nos obrigavam a dividir em orações e a memorizar -, a entrada adolescente na poesia surgiu através do Poesia III do José Gomes Ferreira, que a minha geração entendia corresponder aos seus anseios e inquietudes.
Tanto bastou para ter o escritor como um dos mais prezados de entre quantos o século português literário do século XX integrou. Razão para a ele voltar amiúde, sobretudo àquelas coletâneas de crónicas, que lhe serviram para testemunhar o seu tempo e as muitas mudanças nele percecionadas.
Desta feita dei prazerosa atenção às do Colecionador de Absurdos, publicado em 1978 e, por isso mesmo, contextualizadas no pós-25 de abril, quando o socialismo se condenara à condição de inacessível utopia. Em textos de três ou quatro páginas, excecionalmente cinco, tanto se anseiam por laranjeiras, que se enganem e deem peras, como recordam-se memórias do passado, quer da infância (um colega de escola primária, que lhe bifou o apara-lápis), quer da estadia em terras escandinavas (as saudades do arroz de frango), visitando-se sobretudo o que lhe motiva chacota dos contemporâneos seja na linguagem (o recurso aos lugares comuns), seja nos comportamentos (as pequeninas coisas e os banais absurdos, a que se acrescentavam as gorjetas dadas a empregados de mesa ou a funcionários administrativos). Desafiava-se o destino, fazia-se do espelho o inimigo dos olhos cruéis, também presentes nas pérfidas velhas, que matavam aves ainda nos ninhos, porque as mães lhes sujavam os lençóis nos estendais.
Três anos depois da Revolução os cravos já tinham emurchecido e isso sentia-se na leitura que José Gomes Ferreira dava do que via, ouvia e sentia...
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