Confesso o desconcerto perante Prazer, Camaradas!, o filme que José Filipe Costa deu a conhecer em 2019 e só agora objeto da minha atenção: em primeiro lugar pelo exercício conceptual, que exige conivência, vendo em rostos e corpos envelhecidos, os discursos e comportamentos por si tidos quarenta atrás, quando camponeses locais e quem, das cidades e, sobretudo, do estrangeiro, se lhes associava nas esperançosas experiências da Reforma Agrária.
A proposta é imaginativa, mas prolonga-se em demasia e resvala, aqui e além, para a sua própria contradição.
Mais me incomoda a dissonância entre o que desejaria ver como sopro épico de uma Revolução, quase apagada nos primórdios, em proveito da consagração de uma democracia burguesa, que mantém a exploração das mais valias de quem trabalha pelos que se arrogam seus donos e preservou no essencial o atual sistema de propriedade.
Desinteressado dos dilemas económicos e sociais - a luta de classes passa-lhe assumidamente ao lado! - José Filipe Costa terá querido explorar as “memórias de uma revolução que não foi apenas política, mas também sexual e de costumes”.
Não custa dar a mão à palmatória de ser verosímil essa demonstração em como, mudado o regime, permaneciam incólumes os papéis atribuídos aos homens e às mulheres para surpresa das raparigas alemãs ou francesas, que pressentiam óbvias capacidades de afirmação nas camponesas, mas ainda sem as verem prevalecer sobre os preconceitos dos maridos e companheiros a quem a omnipresente presença do busto de Lenine não inspirava mudanças nos costumes, que tinham sido sempre os seus.
Acabei por chegar ao genérico final - ao som de música eletrónica em vez da revolucionária, que servira de banda sonora à evocação dos tempos idos! - na ambivalência de reconhecer o mérito de uma proposta efetivamente diferente, embora preferisse a convencional na abordagem de questões, que a Revolução de Abril continua a justificar na sua pertinência...
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