Para um leitor voraz, que vai folheando lentamente as páginas de vários livros ao mesmo tempo enquanto modo de conviver demoradamente com mais e diferenciada gente, essas personagens podem tornar-se tão interessantes quanto as que, no dia-a-dia, consigo convivem. Às vezes até chegam a deixar saudades como acontecem agora com as do romance de Siri Hustvedt enfim dado por concluído: Aquilo que eu Amei. O Washington Post classificou-o como avassalador e é-o de facto, porventura o que melhor recordação me deixará de entre os muitos que venho lendo neste ano de 2022.
É certo que, no final, a autora deixa o narrador, Leo, à beira da cegueira e a ter à distância as mulheres - Erica, Violet, Lucille - que lhe terão sido importantes na já provecta vida. Mas o que irá suceder a Mark, o filho do melhor amigo, que demonstra uma total incapacidade para se emocionar, na exata e inversa proporção para se travestir (no sentido próprio e figurado) em diversas personagens?
Filho de substituição depois do que, ele e Erica, tinham gerado e, depois, perdido aos onze anos num trágico acidente, esse rapaz irá associar-se a um mediático artista plástico, Terry Giles, cuja obra escabrosa vai muito além da de Damien Hirst, cuja vaca mergulhada em formol tanto me indignou quando a vi pela primeira vez. Porque nesse muito promovido artista nova-iorquino o assassinato também acaba por ser parte integrante do processo criativo, pondo em questão os escrúpulos a serem ou não impostos a quem o quer sem barreiras.
Livro sobre o que é verdadeiramente arte - e a de Bill, pai de Mark não é menos singular numa via conceptual, feita sobretudo de caixas e do que no seu interior se esconde! - fica, sobretudo, a incapacidade em conseguir nos que se amam a mudança para o que deles se desejaria colher. Em suma, o romance da mulher de Paul Auster é bem demonstrativo de nela reconhecer um talento equiparado, se não mesmo superior, ao do famoso consorte.
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