domingo, dezembro 04, 2022

Miolo: questões em torno da mentira

 

23 de novembro de 2023

Tenho gostado das entrevistas com o novo secretário-geral do PCP, que me parece genuinamente convencido do muito que diz. Mas incomoda-me - tal qual já sucedia com o antecessor! - quando invoca algo “com toda a franqueza” por ser um instrumento básico do discurso de quem se apresta a não o ser.

Segundo um documentário da alemã Birgit Tanner muito tem avançado a ciência a respeito da deteção das mentiras naquilo que dizem as figuras públicas. A análise das microexpressões do rosto de Lance Armstrong quando, em entrevistas de 2005, procurava descartar o carácter fraudulento das vitórias na Volta à França em Bicicleta, confirmam os estudos científicos sobre não se limitarem a desviar o olhar do interlocutor os que estão em vias de os quererem enganar. Hoje em dia o recurso a esses instrumentos de análise comportamental depressa revelam as mentiras patológicas de um Donald Trump ou as quase inocentes petas das crianças de cinco anos, ainda incipientes nessa “arte”, mas depressa nela versados quando chegam aos seis.

E a etologia demonstrou que as mentiras não se restringem aos humanos: os drongos da Namíbia “ajudam” os suricatas, prevenindo-os da iminente chegada dos seus predadores, usando essa malícia para lhes ficarem com as presas prestes a serem digeridas. Ou experiências com porcos da Nova Zelândia também revelam quanto a mentira funciona como forma de dar a volta aos requisitos de uma sociedade hierarquicamente estruturada.

Na prática todos mentem, segundo os cientistas, pois nem os mais honestos se eximem de o fazerem pelo menos duas vezes por dia. Até porque vivemos na época da pós verdade em que a fronteira entre o fidedigno e o que o não é tende a diluir-se muito por obra e graça das redes sociais. E a amígdala do sistema límbico tende a atenuar a sua ação quando arriscamos ficar com a consciência pesada.

Os cientistas até defendem o seu papel na evolução da espécie humana, ao privilegiar os mais inteligentes em detrimento dos menos capacitados em discernirem o real do fictício. Daí podermos desculpar os breves pecadilhos de Paulo Raimundo tendo em conta quem nos julgarmos para lhe atirar com uma pedra?

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