sexta-feira, dezembro 09, 2022

Coisas vistas: Gente intranquila

 

1. Recordamo-lo, sobretudo, pelos 78 planos distribuídos por 45 segundos. Os da morte de Marion no duche do motel Bates, que mostrou aos espectadores de cinema o potencial do crime como entretenimento.

Logo após o ambicioso Intriga Internacional, Alfred Hitchcock quis demonstrar mais uma versão da tese de como podemos ser vitimados aleatoriamente por ameaças quase sem explicação e de que Os Pássaros fora exemplo lapidar. Mas Psico ia mais longe nesse intento, porque mostrava que o inesperado poderia suceder por trás das fachadas tranquilas das casas pequeno-burguesas. Precisamente onde buscavam refúgio muitos dos que se assustavam com a violência de uma América incendiada pelas lutas em favor dos Direitos Civis.

Há quem defenda que a cena do duche pressentiu a iminente explosão das tensões acumuladas numa sociedade, que passara os anos 50 a iludir-se com a utopia do pleno emprego, do regresso das mulheres ao lar, compensadas pelas facilidades conseguidas com os eletrodomésticos e distraída com número crescente de canais na televisão a cores.

Era essa sensação de falsa segurança, que Hitchcock vinha perturbar...

2. Em 1969 Thelonious Monk concluiu em Paris uma bem sucedida digressão por vários palcos europeus e deu uma entrevista à televisão francesa. Perante um apresentador incapaz de ir além da lógica estereotipada da sua curiosidade, o pianista deu-lhe completamente a volta com respostas lacónicas e entretendo-se, sobretudo, a improvar nas teclas, verdadeiramente a melhor forma de expressar o seu pensamento.

Perdidas nos arquivos, essas imagens foram objeto de nova montagem por Alain Gomis num documentário intitulado Rewind and Play, estreado na edição da Berlinale deste ano. E é documento delicioso para quem tem por Monk a admiração rendida de o reconhecer como um dos grandes jazzmen do século XX.

3Tenho seguido com muito interesse a filmografia de Cláudia Varejão desde as suas curtas-metragens até às duas anteriores longas-metragens: Ama-san  e Amor Fati. Razão para ver Lobo e Cão, seja porque os Açores são lindos e a realizadora enuncia um propósito ambicioso: “Parti para este filme com o desejo de retratar lugares que me interessam: as heranças dos papéis sociais e familiares e as questões em torno da identidade de género”. 



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