sábado, dezembro 17, 2022

Miolo: The life goes on

 

Na mesma semana em que foi anunciado um avanço tecnológico relacionado com a fusão nuclear e a possibilidade da humanidade ver-se dotada de energia limpa e quase inesgotável, não faltam outros exemplos de hipóteses capazes de desmentirem os riscos de distopia climática tão evidenciados pelas inundações que, mais impressionantes e de custos tão imediatos, secundarizaram aquela notícia.

Acabei de ver um documentário sobre o projeto do suíço Raphäel Domjan, que vai além do já ensaiado e testado pelo seu compatriota Bertrand Piccard: a criação de uma aeronave movida a energia solar, desta feita capaz de alcançar altitudes estratosféricas. O que está em causa é a capacidade de, mais do que voar por exclusiva propulsão dos painéis solares montados nas asas, recorrer a essa energia para a exploração do nosso sistema planetário.

Lamento serem inovações só potenciadas em algo de verdadeiramente útil, num futuro que me será inacessível. Mas confirma o que nem sempre avaliamos na devida dimensão: connosco enquanto vivermos, mas depois quando já cá não estivermos, the life goes on...

 

Inacessível mas, por falta de energia, é também uma das viagens, que me fica por fazer apesar de a ter “vivido” pelo livro de Chatwin sobre a região patagónica ou pelo filme de Walter Salles sobre as viagens de motocicleta de Che Guevara e de Alberto Granado: os mais de cinco mil quilómetros da ruta nacional 40 na Argentina, de preferência de norte para sul, partindo das Salinas Grandes e desembocando nos glaciares da Terra do Fogo.

É certo que posso congratular-me com o ter feito esse percurso ao longo da costa desde Buenos Aires e La Plata até Ushuaia, escalando portos sucessivos de que Puerto Madryn terá sido um dos mais memoráveis. Mas, por muito que a costa argentina seja lindíssima como escapar ao fascínio de um território selvagem por onde Luís Sepúlveda também fez cirandar alguns dos seus personagens?

Gostando tanto de conduzir horas e horas a fio, nessa quase paragem no espaço e no tempo em que um deleitado vazio se instala na mente, muito teria apreciado esse percurso por onde gerações de índios transitaram antes dos espanhóis ali os virem chacinar em busca de um El Dorado, que lhes ficaria sempre inacessível. Porque, na prática, ele estava ali à frente dos cúpidos olhos sob a  forma de uma beleza capaz de cortar o fôlego a quem melhor aprecia o azul do gelo ancestral ou o cinza das paisagens lunares do que o ilusório dourado das riquezas voláteis...

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