quinta-feira, janeiro 21, 2021

(DL) A racionalidade como doença, que aniquila a imaginação

 


Para além do prazer em suscitarem o medo, os romances de Stephen King assumem a forma de modernos contos de fadas, que põem os leitores de sobreaviso contra os monstros reais. Essa ambição motivou-lhe a criação de uma das suas obras mais elogiadas: It em que um grupo de amigos enfrenta uma entidade maléfica, primeiro enquanto crianças, e depois já em adultos. A adaptação ao cinema, trinta anos depois, faz dela a que comercialmente se revelou melhor sucedida. King associou-o à sensação de conforto vivida em criança, quando tinha uma mão a que se agarrar, quando algo lhe metia medo. E também à impossibilidade de se ser adulto sem ter resolvido, de vez, todos os medos alimentados durante a infância. Daí que as histórias de King recorram a muitas crianças como personagens. Porque elas acreditam facilmente em monstros e fantasmas, dado não terem sido ainda «vitimadas» pela suposta doença da racionalidade. Ele acaba por lamentar que essas crianças que se tornarão médicos ou engenheiros, percam a imaginação e a crença no mundo das maravilhas em que terão vivido antes dos oito anos de idade. É o preço associado ao crescimento! Mas por terem saudade desse passado, os adultos tornaram-se entusiasmados leitores dos seus livros.

Ele rejeita, porém, que escreva sobre o que conhece apenas limitando-se a distorcer a realidade, porque esta sempre a sentira entediante. Da infância ele lembra-a passada numa pequena aldeia, sem água canalizada e onde todas as classes se juntavam na mesma sala da escola local. E, quando tinha dois anos, o pai fez o clássico golpe de dizer à mãe, que ia comprar cigarros não mais tendo aparecido. Mas talvez tenha sido ele a legar-lhe nos genes o gosto pelo fantástico, porque numa arca encontrada no sótão da casa da tia encontrou uma verdadeira coleção de romances de bolso tendo por temática o terror e o fantástico.

Para contrariar esse tédio em que cresceu, associou a influência das histórias góticas do século XVIII com o mundo moderno. Algo na continuidade de Richard Matheson, cujos romances muito o interessaram antes do impulso de também dedicar-se à escrita.. Quando iniciou a criação de Salem imaginou que um monstro, tal qual Bram Stoker criara, ia instalar-se no Maine dos nossos dias, abrindo uma loja de antiguidades a partir da qual intenta transformar toda a cidade numa comunidade de vampiros. A banalidade de província com os seus valores e pequenos comércios via-se convertida em algo que só a mente de King conseguiria engendrar...

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