De que matéria serão feitos os sonhos de Stephen King? O que o assombra em forma de pesadelos? Podemos pôr-nos essa questão a propósito dos seus muitos romances, em boa parte transformados em filmes e séries televisivas! Numa entrevista ele chegou a reconhecer que tudo o intimidava, lhe metia medo.
Foi no início do mês de abril da nossa Revolução dos Cravos, que o nome de Stephen King iniciou a conquista de crescente notoriedade com “Carrie”, a adolescente solitária com poderes de telequinesia capazes de transformarem um baile de finalistas de um liceu numa antecâmara do inferno. A imediata transposição para filme, sob a direção de Brian de Palma, garantiu-lhe fama instantânea. Seguir-se-ia «Cujo», a história de um raivoso rottweller com uma temível propensão assassina. Quando comprei a versão espanhola numa livraria de Buenos Aires comecei a lê-la nessa mesma noite a só parei na última página quando a madrugava já despontava com Mar del Plata já à vista!
Outros monstros viriam habitar os títulos seguintes, todos eles a venderem-se como pãezinhos, porque capazes de suscitarem essa capacidade de atração de leitores dispostos a só largarem-nos depois de plenamente descobertos de fio a pavio: o escritor enlouquecido num hotel vazio no meio de uma desolação gelada em “Shining”, o carro vermelho com requintes de impressionante crueldade em “Christine”, um palhaço canibal a atacar crianças em “It”. Uma horda saída da imaginação de uma mente atormentada capaz de prodigalizar romances num ritmo impressionante sobre o lado sombrio do imaginário coletivo universal. Aquele que exige a catarse dos medos e a contenção da sua própria agressividade. Se por um lado todos aspiramos ao amor, à amizade, à lealdade, ao humor e a outras emoções positivas, também, em contraponto nos habitam o medo, a cólera e até alguma tendência para o sadismo. Os livros ou filmes de terror mais não servem do que para neutralizarem estas emoções negativas, tornando-as, na medida do possível, inofensivas. Noutra entrevista King aventa, igualmente, a hipótese de, através dos seus romances, as pessoas participarem numa espécie de ensaio geral para a própria morte, preparando-se para ela com menos apreensão.
Pode-se olhá-lo como um produto tipicamente americano, resultante de uma cultura de violência que o marcou, particularmente, na infância com o assassinato de John Kennedy, mas, igualmente, pela sucessão de serial killers, que enchiam as manchetes dos jornais lidos na adolescência e que lhe enchiam um dossier de recortes que, para espanto da própria mãe, colecionava. Impressionava-o, particularmente, a expressão desumana do olhar vazio desses assassinos mediáticos. Eles serviram-lhe de fonte de inspiração para a obra que viria a escrever. Porque lhe metiam medo e queria saber o necessário para deles melhor se defender.
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