Como reagir à ignóbil criatura? Nos últimos meses não têm sido poucas as polémicas em que me envolvi nas redes sociais quanto à estratégia mais judiciosa para combater o nocivo fenómeno. Ignorá-lo para não lhe dar cobertura? Denunciá-lo e desmascara-lo enquanto biltre execrável? Ou alertar para tudo quanto representa e pode vir a destruir com a sua perniciosa ação?
Não me sobram dúvidas quanto à vantagem de não pormos a cabeça na areia como se não existisse, justificando-se os meios necessários e suficientes para o reduzir à merecida dimensão de uma epidemia neutralizada.
Negação, o filme que quase passou despercebido nos nossos ecrãs há quatro anos, pode dar uma ajuda para essa clarificação quanto à melhor estratégia. Baseado num caso real, é um filme grandemente passado em tribunal, opondo a historiadora norte-americana Deborah Lipstadt ao negacionista britânico David Irving, que ela considerou o mais perigoso porta-voz dos que, cinquenta anos depois do Holocausto, ainda teimavam em não reconhecer a sua existência.
Sentindo-se difamado ele interpusera uma ação nos tribunais ingleses exigindo ressarcimento pelos danos à sua imagem pública, contando ademais com o apoio institucional da sua importante editora, a Penguin Books. E, de facto, à época, ele era presença habitual nos ecrãs ingleses, que - a exemplo do que verificamos com os nossos em relação à ignóbil criatura - lhe davam injustificado palco para as suas atoardas.
Na sua argumentação Irving afirmava que as câmaras de gás nunca tinham existido por não haver evidência de orifícios nos telhados dos pavilhões de Auschwitz por onde fosse aplicado o zyklon b.
A indignação de Deborah faz com que pretenda reagir emotivamente, no que é travada pela equipa de advogados liderada pelo arguto Anthony Julius. Mais importante do que evidenciar o que era de conhecimento quase universal, mais valia desmontar os habilidosos estratagemas de Irving. Por exemplo impondo um julgamento decidido pelo juiz e não por jurados, que ele facilmente manipularia a seu favor.
À medida que as sessões se sucedem Deborah desespera, desconfia da forma como a sua equipa jurídica propõe defendê-la. Mas contem-se dificilmente, possibilitando a intervenção detalhada e consistente dos advogados. Sem compreender como eles o enleiam, Irving deleita-se no seu narcisismo, antevê um sucesso retumbante para as suas execráveis opiniões. Até que descobre a evidência, que os portugueses conhecem na forma do provérbio segundo o qual pela boca morre o peixe.
Embora Mick Jackson confirme ser o artesão competente, que não potencia, mas também não compromete os argumentos a seu cargo - e este é da autoria do consagrado David Hare! - o filme conta com três excelentes atores: o nunca por demais elogiado Timothy Spall, sobretudo quando assume personagens de vilões detestáveis, a tenaz Rachel Weisz, sempre à vontade na composição de mulheres movidas por causas, e o veterano Tom Wilkinson, que lhes dá terreno fértil para se excederem nas capacidades.
Negação é um título incontornável em todas as situações em que venha a lume uma discussão sobre a falsificação da História.
Sem comentários:
Enviar um comentário