Para surpresa de muitos dos que me conhecem, sou um apreciador de filmes de terror, sobretudo quando metaforizam a realidade e dela dão uma perspetiva mobilizadora. O exemplo mais óbvio encontro-o nos filmes de George Romero em que os zombies retratam as lutas de classes nas modernas sociedades capitalistas caracterizadas pelo hiperconsumismo e as desigualdades.
A transposição para cinema dos romances de Stephen King poderiam explorar esse potencial, mas acabam por se revelar particularmente dececionantes. Samitério dos Animais, realizado por Kevin Kölsch e Dennis Widmyer em 2019, não escapa a essa regra invariável, talvez porque o exercício da leitura permite um confronto com a narrativa mais próximo dos fantasmas subconscientes de quem o faz do que a atitude passiva perante um ecrã em que ele torna-se problema alheio. A identificação com os personagens criados no nosso imaginário torna-se mais fácil do que a suscitada pelos que vemos agirem na tela do cinema.
O romance original, que já conhecera uma medíocre versão cinematográfica em 1989, assinada por Mary Lambert, era rico em questões relevantes na vida das famílias, todas relacionadas com a morte: como sobreviver ao luto por alguém (uma irmã) a quem não se deu o devido apoio? Como contar às crianças, que o gato de estimação acabara de ser atropelado na estrada adjacente à casa em que vivem? Como resistir à tentação de ensaiar a ressurreição de quem se perdeu, mesmo adivinhando-se que a réplica em quase nada corresponderá ao modelo original?
Acresce que o romance de King consegue ser mais eloquente na criação de um ambiente sobrenatural nas florestas do Maine ou nas ambiguidades associadas à personalidade do vizinho dos Creed, Jud Crandall, mesmo que os realizadores tenham recorrido a um ator meritório como é John Lithgow.
O problema - acredito cada vez mais! - é existirem romances inadequados para serem traduzidos em filmes. Sobretudo se se integram no género fantástico onde avultam mais as associações de ideas sugeridas ao leitor do que a sua evidenciação concreta na forma de fotogramas. E, até hoje, só Stanley Kubrick terá estado à altura desse desafio, talvez por se ter apossado do material narrativo e dele ter dado uma versão muito própria.
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