quinta-feira, janeiro 28, 2021

(DIM) Versões redutoras de conflitos diversos

 


Há dias exultantes, quando vejo ou revejo filmes, que me dão enorme prazer. Mas também os há menos bons, quando as imagens em movimento desiludem ou entediam. No caso de Miles Ahead, o filme que Don Cheadle rodou em 2015 dedicado a um dos maiores nomes do jazz, a reação andou entre o desagrado pelo enredo e a mitigada satisfação de ouvir alguns dos temas da sua autoria. Sobre o trompetista poder-se-iam ter escolhido muitas outras histórias suscetíveis de darem uma versão menos redutora do que esta - a de um janado egoísta, que estoirou com o casamento e passou cinco anos sem produzir uma nota musical. A que poderia resultar da abordagem daquela noite dos finais dos anos 50, quando Louis Malle o convenceu a compor toda a banda sonora do seu filme Fim-de-semana no elevador e ele a concretizou numa jam session individual que continuamos a ouvir com um enorme agrado. Ou quando optou pelo “banho turco” para se desintoxicar da toxicodependência. Ou, indo mais atrás, quando foi um dos que agarrou no testemunho, inicialmente empunhado por Charlie Parker e Dizzie Gillespie, e deu novas texturas ao bebop. Porventura iludido com a possibilidade de igualar Clint Eastwood no sucesso com que abordara a biografia de Charlie Parker, Cheadle inventou um jornalista free lancer, interpretado por Ewan McGregor, para tornar verosímil a disputa de Miles com quem queria apossar-se de uma gravação caseira completamente desconhecida. Mas vendo essa credibilidade esfumar-se na inconsistência do desenvolvimento narrativo.

Acabei o filme a pensar que se tiver de existir alguma biopic sobre Miles Davis, esta versão não será das que se recomendem.

Conclui, igualmente, a série The Spy, que amigos fiáveis me tinham elogiado. Sasha Baron Cohen interpreta o papel de Eli Cohen, uma espécie de 007 israelita, que os sírios desmascararam e publicamente enforcaram numa praça de Damasco em 1965.

Inegavelmente bem feita com todos os meios postos pela Netflix à disposição do realizador, incomoda-me o maniqueísmo do argumento com o herói sionista a revelar-se notável na inteligência com que ilude as ingénuas altas patentes militares inimigas, chegando a ser convidado para vice-ministro da Defesa em vésperas de tudo deitar a perder.

Se é interessante a progressiva diluição da identidade de Eli, assumindo involuntariamente a do seu disfarce, não deixamos de olhar para os sírios como brutais na forma como desprezam a vida dos judeus ou os de outras façóes do próprio regime, enquanto os israelitas surgem como estoicos sobreviventes dos desencontros com a História, que sempre os ameaçam de extinção. 

Sem comentários: