sexta-feira, janeiro 22, 2021

(DL) Laure Moulin: resistente e irmã de herói

 


Em meados dos anos oitenta, quando visitei o Panteão de Paris, uma das sepulturas perante as quais senti alguma emoção, esquecendo momentaneamente o cheiro a cripta, foi a de Jean Moulin. Por essa época andava muito interessado no percurso histórico do chefe da Resistência lendo textos diversos quer sobre a sua atividade de prefeito de Aveyron (o mais jovem de então com apenas 37 anos!), quer, sobretudo, sobre o seu papel de organizador da bem sucedida ação armada contra a Ocupação nazi. A forma como foi traído por um dos companheiros mais próximos, René Hardy, vendo-se capturado e torturado até à morte, elucida bem todo um período histórico onde, entre os franceses, tanto se revelaram os maiores heroísmos e as equivalentes vilanias.

Agora saiu um ensaio de Thomas Rabino sobre a mulher, que deu razão ao provérbio segundo o qual atrás de um grande homem esconde-se sempre uma parceira de imprescindível valor. Neste caso tratou-se da irmã, Laure, sete anos mais velha, extremamente eficaz como agente de ligação, secretária, tradutora de mensagens cifradas e fiel depositária dos seus textos e segredos.

Laure, por si mesma, merece bem a relevância que não quis ter enquanto foi viva: o republicanismo da família possibilitara-lhe o acesso aos estudos universitários - coisa rara nessa belle époque - o que a não eximiu de, durante a Primeira Guerra Mundial, se ter alistado como ange blanc de apoio aos feridos e doentes nos hospitais de campanha.

Depois foi ela quem se bateu denodadamente pelo esclarecimento do que sucedera ao irmão cuja morte só pôde confirmar dois anos depois, quando o não viu regressar dos campos de concentração. Na época o clima de Guerra Fria levou a polícia e os tribunais a boicotarem-lhe o esforço ao conotarem o irmão com o comunismo então arvorado em inimigo maior da França gaulista.

Laure Moulin. Résistante et soeur de héros dá particular importância a todas as suas tentativas para demonstrar a cumplicidade de Hardy com Klaus Barbie a cujas ordens terá obedecido para entregar aquele que o julgava seu amigo.

Numa altura em que a serpente voltou a sair do ovo e anda a sibilar, quer em França, quer entre nós, disposta a difundir o seu veneno esta obra é mais uma que se revela necessária para lembrar todas os crimes cometidos em nome de uma ideologia, que tarda em ser definitivamente relegada para os livros de História.

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