terça-feira, novembro 28, 2023

Enki Bilal: a nostalgia de um país que deixou de existir

 

Estamos no ano em que, na trilogia Nikopol, Enki Bilal fez regressar à Terra o desertor banido para o espaço trinta anos antes, numa cápsula, reencontrando o mesmo regime fascista, que o condenara. Iniciada em 1980 essas três obras são eloquente demonstração da estética do autor, que insere os personagens na cinzentude deprimente da arquitetura de Belgrado da infância e, particularmente, na da fortaleza Kalemegdan, considerada o berço da cidade.

Apesar da família ter sido forçada ao exílio pela escusa do pai de Enki em colaborar com o regime de Tito, ele sente ternura por esse passado, que quase ninguém considerava totalitário, porque entendia normal a existência de um poder absoluto. E até reconhece, a exemplo de Emir Kusturica, o quão desestabilizador continua a ser o sentir-se pertença de um país, que já não existe.

Visionário, Bilal identifica, antes das guerras que implodiram a antiga Jugoslávia, a sua verdadeira causa: o fanatismo religioso, que incorporou o nacionalismo identitário como sua expressão mais extrema. O Sono do Monstro é a trilogia em que essa realidade é explorada numa antevisão, que o leva a prosseguir a antevisão do futuro nas obras posteriores onde o cataclismo climático, os bugs informáticos e o maximalismo algorítmico tenderão a criar as novas distopias.

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