O entusiasmo pelos romances policiais de Abir Mukherjee ainda não ganhou expressão em traduções portuguesas, mas no mundo anglo-saxão e, mais recentemente em França, somam-se por muitos milhares os entusiastas dos casos criminais investigados pelo capitão Wyndham e pelo sargento Banerjee na Índia colonial no primeiro quartel do século XX.
O homicídio ocorre logo nas primeiras páginas: “quando as duas balas seguintes são disparadas, sei que atingirão o objetivo. Atingem o príncipe no peito. Ele ainda se aguenta em pé alguns segundos, como se fosse efetivamente divino e que as balas pudessem atravessá-lo sem o ferir. Depois, as manchas de sangue começaram a ensopar de carmesim a seda da túnica e ele desfaz-se como um copo de papel na água da monção”.
Está-se em Calcutá em junho de 1920 e o assassinado é o príncipe herdeiro de Sampalpur. Wyndham e Banerjee, que estavam incumbidos de lhe garantir a segurança, sentem-se culpabilizados por não o terem defendido e, sobretudo, por verem o assassino escapulir-se.
Como amigo próximo do morto, que fora seu colega de estudos em Harrow, Banerjee fica incumbido de acompanhar o corpo até Orissa, no sul de Bengala, onde se celebra anualmente a festa de Ratha Yatra em honra do deus Jagannah. E, como está imbuído do conceito de satyanveshi - que significa «aquele que procura a verdade»! - pretende esclarecer a conspiração e encontrar o autor do crime. Compreendemos-lhe a intenção através do narrador, esse Wyndham, que é um anti-herói traumatizado pelo que vivera na guerra de 14-18 e viciado no ópio. É ele, porém, que a influente Shubhadra associa àquele conceito quando, como decana das esposas do velho marajá e responsável pelas 126 concubinas do harém, o insta a cumprir o objetivo do amigo. Ela pressente que os culpados estarão entre os que se opunham aos propósitos reformadores do príncipe e aos seus valores demasiado ocidentalizados, ainda que também se lhe conhecesse a firme oposição à criação de uma espécie de Câmara dos Príncipes plasmada da londrina Câmara dos Lordes.
Quem estaria verdadeiramente interessado em matar Adhir Singh Sai: os religiosos hinduístas como pressuporia o traje cor de açafrão do assassino, o poder colonial desconfiado do seu pensamento demasiado progressista ou quem mais já que inimigos pareciam não lhe faltar?
O autor do crime aparece morto e tem na testa o sricharanam, próprio dos sacerdotes de Vishnu, de quem Jagannah é réplica. Mas Wyndham e Banerjee desconfiam que os fanáticos religiosos apenas terão servido de manobra de diversão para afastar as suspeitas do verdadeiro culpado. Que também não é o irmão mais novo do príncipe, porque também ele é envenenado durante uma caçada ao tigre no dia da sua subida do trono.
O corrupto primeiro-ministro é uma hipótese consistente, tendo em conta as minas de diamantes existentes no reino. Mas a verdade revelar-se-á mais complexa após laboriosa investigação, que se focalizará no harém do próprio palácio. Ficando por esclarecer se, no final, será efetivamente feita justiça...
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