Thomas Vintenberg tornou-se-nos conhecido com um filme de 1998, A Festa, enquadrado nos preceitos do movimento Dogma, que ajudara a criar com Lars von Trier e fazia do cinema dinamarquês um dos mais originais no final do milénio transato. Desde então tem tido percurso irregular, alternando filmes mainstream - Longe da Multidão (2015) ou Kursk - A Última Missão (2018) - com outros mais tipicamente de autor. Destes últimos como esquecer A Caça (2012) em que um professor de uma creche desmentia a tese absurda de alguns pedopsiquiatras para os quais as crianças nunca mentem? No caso em apreço uma miúda de cinco anos afirmava-se abusada pelo professor e virava-lhe a vida do avesso, quando, até então, estava bem integrado na comunidade em causa.
Drunk, que veremos provavelmente estreado entre nós se os distribuidores nos continuarem a possibilitar a descoberta do universo criativo do realizador, insere-se na vertente mais autoral de Vintenberg e volta a ter Mads Mikkelsen - seu verdadeiro alter ego - como protagonista. O tema é o da influência negativa do grupo sobre o indivíduo de acordo com a parte do provérbio em que se diz: junta-te aos maus e serás pior!
Olhemos para a história: Martin, professor de história num liceu, anda desalentado, ciente de ter perdido estatuto social e autoridade junto dos alunos. A vida conjugal, por seu lado, também está complicada, contribuindo para a tentação depressiva. Sentimento partilhado por três colegas - Nikolaj, Tommy e Peter - todos eles convencidos de os seus melhores anos terem ficado impreterivelmente para trás.
Ocorre-lhes, então, experimentarem a proposta de um psiquiatra norueguês, que explicaria esse lado sombrio das pessoas pela falta de 0,5 gr de álcool por litro de sangue. Se se conseguisse manter esse patamar de semialcoolismo tudo seria diferente.
A experiência pseudocientífica começa por se revelar animadora para os quatro professores: Martin sente que os alunos voltam a prestar-lhe atenção, a mulher reencontrou o sorriso. A turma de Peter canta afinadamente e a de Tommy volta a marcar golos.
Dados os bons resultados Martin propõe que levem a experiência para outro patamar: o de 1 gr de álcool por litro de sangue. Mas, quase de imediato, a situação degenera: as relações entre Nikolaj e a mulher deterioram-se, Tommy não encontra freio no esvaziamento das garrafas e Martin leva com uma porta na cabeça.
Face ao descalabro os quatro amigos encontram-se para uma derradeira bebedeira, mas o desenlace é calamitoso: Nikolaj urina na cama, Martin aparece em casa quase em coma etílico e a mulher impõe-lhe a separação. É então que o grupo decide pôr fim á experiência, mas para Tommy é demasiado tarde, suicidando-se depois de expulso de um estabelecimento.
No funeral do amigo os três sobreviventes são levados pelos alunos, que estão a festejar o fim do ano escolar. Peter, que se julgava desprezado por eles, é carregado em ombros e Martin recebe a mensagem da mulher a propor-lhe novo recomeço. Descobrindo em si a capacidade de recuperar a perdida alegria, dança freneticamente
Drunk constata que a vida está longe de ser um rio tranquilo, multiplicando-se as razões para que se acumulem deceções, disputas, derrotas, desaparecimentos. Daí a mitificação de um passado em que nada disso teria ainda ocorrido. Fugir à realidade, encontrar refúgio no álcool ou noutra qualquer forma de o conseguir, torna-se demasiado tentador. Sobretudo se, como ocorre com os quatro protagonistas, arranja-se uma desculpa tão credível quanto o parece ser um estudo com pretensões (falsamente) científicas. Tornando-se até convincente o alibi de, entre Churchill e Hitler, ser o primeiro quem assumia o prazer propiciado pela bebida. E não propunha Kierkegaard que todos nos aceitássemos como sujeitos falíveis?.
Embora para Tommy a lição se revele tardia, Martin, Nikolaj e Peter concluem que a solução está na capacidade de se revelarem solidários entre si, em não se sentirem sozinhos. A vida ganha sentido quando nos integramos junto de quem connosco tem afinidades e tornando-nos melhores de entre os bons. Aceitar a vida como ela é, eis a lição que Vintenberg propõe neste seu mais recente filme...
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