domingo, outubro 25, 2020

(DIM) A Rainha, Stephen Frears, 2006

 


Se certezas tenho quanto ao futuro é a de que me manterei tenaz republicano até ao derradeiro suspiro. A antipatia pela instituição monárquica não se deve tão só ao facto de o atual pretendente ao trono ser um manifesto atrasado mental ou porque, num delicioso ensaio sobre as misérias e grandezas dos príncipes de Portugal, o mestre Aquilino cedo me esclareceu sobre a falta de qualidade dos nossos reis de que não se consegue reter qualquer episódio de grandeza.

Se os portugueses ganharam nome como navegadores não foi por qualquer grandeza, nem tão pouco pela suposta intenção de irem espalhar a fé junto dos gentios, mas tão-só para ganharem o sustento, que o cantinho aqui à beira-mar plantado era demasiado pobre para lhes sustentarem as intenções gananciosas. Depois, como corolário dessa «gesta», a nação lusa ficou manchada tenebrosamente pela má fama dos seus negreiros.

Adiante. Vem isto a propósito do canal ARTE repetir a apresentação do filme, que Stephen Frears dedicou ao momentâneo abanão ocorrido no Palácio de Westminster, quando Diana morreu com o amante num acidente em Paris e Tony Blair tudo fez para manter incólume a monarquia naquele que foi mais uma ação nefasta a acrescentar à sua mais do que lamentável passagem pelo poder. É certo que ainda andava a conhecer a residência de Downing Street para que acabara de se mudar na sequência da bem fresca vitória eleitoral, pelo que lhe interessava tudo menos fazer ondas, mas o Tonecas inglês, embora com pretensões sofisticadas, nunca mostrou capacidade para ir além de mera marioneta das ideias reacionárias de Anthony Giddens. Ademais a Rainha e a sua corte estava de férias em Balmoral, na Escócia, nessa noite de 30 para 31 de agosto, quando Diana Spencer e Dodi Al-Fayed ganharam direito a verem a sua relação amorosa espelhada nas capas dos jornais de todo o planeta, pelo que ele viu-se abandonado em Londres sem ter com quem partilhar de imediato o bébé que lhe caía no regaço.

Frears explora a vertente da súbita empatia manifestada pela população àquela que ficaria conhecida na altura como «princesa do povo» como se a expressão não constituísse absurda mistificação atendendo aos diferentes interesses entre ela e a maioria dos britânicos. Na altura a execração da Rainha alcançou tal clímax, que o advento da inevitável República, que Cromwell chegou a declarar e depois foi enterrada pelos interesses dos senhores feudais, poderia ter surgido de uma espécie de fagulha capaz de incendiar toda a pradaria para utilizarmos a feliz expressão do camarada Mao, mas Blair cuidou em que tal não sucedesse. Prova de como a História vê perdidas oportunidades, que demora depois a reencontrar.

O filme mostra como os Windsors são ridículos - vide a cena em que Filipe decide levar os netos à caça para os distrair da notícia da morte da mãe ou a ferocidade da já nonagenária rainha-mãe - mas o próprio Blair surge como meio-estarola (papel bem ajustado para o competentíssimo Michael Sheen neste tipo de personagens!). Se um tenaz republicano vê e revê o filme é só por ser Helen Mirren a desempenhar o papel principal. E a Dame Mirren, apesar dela própria dar entrevistas em que expressa ideias tolas, não deixa de ser atriz de grande gabarito. E por isso mereceu o Óscar de 2007 como melhor atriz principal.

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