sexta-feira, outubro 09, 2020

(DL) Outrora e outros tempos, Olga Tokarczuk

 


Agora que o conhecido invejoso nacional voltou a carpir as mágoas por dele se esquecerem os jurados do Nobel, vale a pena voltar à galardoada de há dois anos, Olga Tokarczuk, que, até então, me era completamente desconhecida, mas tem dado sucessivas provas da justeza de se ter visto assim reconhecida. Olhando para este título, que foi o seu primeiro sucesso internacional, compreende-se porque julgou asizada a tradutora para português de a propor ao editor da Cavalo de Ferro, prevendo-lhe precisamente esse prémio para breve.

Diogo Madre Deus terá ouvido esse veredicto como exagerado, mas a descoberta subsequente do universo literário da autora convenceu-o a empreender a sua divulgação junto dos leitores portugueses. Que tão-só identificados com o nome da escritora, e mesmo sem lhe saberem pronunciar o nome, puderam encontrar Viagens nas livrarias, inaugurando com ele a condição de tokarczukianos, singular seita com crescente volume de prosélitos dada a satisfação garantida pela descoberta de cada romance.

Outrora está para a escritora polaca como Yoknapatawpha para William Faulkner: é um território mítico na periferia do império russo, mas hoje pertença da Polónia protofascista de que Olga tem sido incansável opositora. Balizada por fronteiras definidas pelos pontos cardeais, todas elas protegidas por um anjo protetor, aí vive gente excêntrica, que depressa aprendemos a conhecer: a moleira, que viu partir o marido para a guerra e não consegue evitar a atração sexual pelo empregado judeu, a rapariga lindíssima, que se prostituíra e engravidara, depressa ganhando cabelos grisalhos e fama de bruxa, o Homem Mau, que se escondeu na floresta e aí se bestializou. A partir daí todo esse território evolui durante três gerações, atravessa as duas guerras mundiais e replica, a seu modo, a História de boa parte do século transato. Olga Tokarczuk confessa que, com ele pretendia criar “a história de um mundo que, como todas as coisas vivas, nasce, cresce e depois morre… Cozinhas, quartos, memórias de infância, sonhos e insónia, reminiscências e amnésia fazem parte dos seus espaços existenciais e acústicos, compondo as diferentes vozes da sua história.»” Mas, mais do que isso somos atraídos a um universo incrivelmente envolvente cujas vicissitudes queremos conhecer de fio a pavio sem descansarmos enquanto não chegamos ao fim. 

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