Há muito que os cinéfilos retêm de O Rapaz do Cabelo Verde um exemplo antológico sobre a tolerância, o otimismo e outros valores humanistas. No entanto, Joseph Losey, que aqui assinava a sua primeira-longa-metragem, consideraria este filme muito aquém do que pretendia inicialmente, porque, ao foco na questão racial, a RKO quis impor-lhe a formatação de uma parábola pacifista tão do agrado de uma esquerda norte-americana ainda aterrorizada com tudo quanto a Segunda Guerra acabara de lhe revelar, quer com os cenários de horror dos campos de concentração, quer com a destruição instantânea de Hiroxima e Nagasáqui. O receio apocalítico relativamente a um conflito nuclear ainda mais se acentuaria, quando se soube a notícia do primeiro engenho soviético em 1949.
É esse acrescento, pretendido pela produção, que torna o filme mais datado e lhe acentua a ingenuidade, que o cinismo atual tende a olhar com distanciamento. A vertente racial está, porém, bem demonstrada na cena em que a professora de Peter - essa Miss Brand interpretada pela esquecida Barbara Hale - confronta os alunos, já então desconfiados, senão mesmo agressivos para com o colega com cabelo verde, a constatarem quantos o tinham preto, castanho, loiro ou ruivo.
Por essa altura Losey não tinha condições para impor a vontade a quem lhe dava a oportunidade de pular para o grande écrã, ele que ganhara nomeada como encenador teatral e rodara alguns filmes educativos para o governo norte-americano durante os anos 40. De qualquer forma os políticos macartistas compreenderam o potencial do filme como emissor de mensagens subliminares por parte de um realizador e de argumentistas, que sabia próximos do Partido Comunista dos EUA. Quatro anos depois, quando convocaram Losey a testemunhar na odiosa Comissão das Atividades Antiamericanas esqueceram-se que ele estava em Itália a rodar um filme, razão porque já não voltou para casa e procurou abrigo político na Inglaterra onde viria a assinar títulos relevantes dos anos 60 e 70 - O Criado, Acidente e O Mensageiro.
Temos assim a história de um miúdo de dez anos, que vive com um pai adotivo, particularmente afetuoso - grande interpretação do veterano Pat O’Brien apesar da falhada sequência em que explicita o talento de artista de variedades!- e cujo cabelo fica verde no dia seguinte ao se saber órfão de guerra. Nos dias seguintes a curiosidade inicial, e depois o orgulho quando um encontro na floresta com outros rapazes e raparigas como ele, lhe dão um sentido para a singularidade, vê-se olhado com desconfiança pelos vizinhos e ameaçado pelos colegas mais velhos. Quando o próprio Gramp o trai, instando-o a deixar-se rapar, foge e é já na esquadra de polícia, que conta a um psicólogo (Robert Ryan) o quanto com ele se passara.
Apesar do curto orçamento, o filme beneficia de um excelente trabalho de iluminação e de cenografia, embora a qualidade maior vá para o sublime Technicolor, que realça as cores primárias e muito particularmente o verde do cabelo de Peter.
Ficando como metáfora eficaz contra o racismo e o medo da diferença, pela tolerância na relação com o Outro, O Rapaz do Cabelo Verde ainda conta com a conhecidíssima canção do genérico inicial, que depois viria a ser eternizada por Nat King Cole e, depois, por David Bowie.
Uma palavra final para Dean Stockwell, que foi uma das crianças mais talentosas utilizadas pelos estúdios de Hollywood no pós-guerra. Já em adulto ainda o veríamos em muitos trabalhos televisivos e, particularmente, nalguns filmes de David Lynch.
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