Amanhã o canal ARTE dedica a primeira parte da sua noite temática das terças-feiras à História do Ku Klux Klan e a sua influência duradoura no imaginário coletivo de uma América à beira de novo teste eleitoral. O documentário, dividido em duas partes, é da autoria de David Korn-Brzoza e data deste ano. Como de costume, recorrendo a arquivos e a eloquentes testemunhos, aborda-se uma história sinistra, em parte pouco conhecida.
A primeira parte intitula-se Nascimento de um império invisível, referenciando a fundação do mais antigo grupo terrorista do país em 1865, quando um grupo de derrotados da guerra da Secessão fundou uma sociedade secreta no Tennessee. O termo Ku Klux Klan remetia para uma origem etimológica grega referente ao «círculo» à volta do qual se reuniam os membros encapuçados, que pretendiam resistir aos efeitos de uma realidade traduzida em 4 milhões de negros libertados da escravatura para os 9 milhões de habitantes dos antigos Estados federados.
Três anos depois a sociedade secreta transformara-se numa organização paramilitar, multiplicando atentados e linchamentos em suposta defesa dos direitos dos brancos. Bem tentou Washington ripostar com a intervenção do exército federal, mas os poderes políticos e judiciais, concentrados em simpatizantes do Klan, aprovaram as leis «Jim Crow», que estipularam a segregação racial nesses Estados do sul. Por essa altura os linchamentos tinham ganho um ritmo tão regular, que até se vendiam postais com imagens de negros pendurados das árvores.
O cinema também não ajudou, pois até um dos seus mestres, David W. Griffith, contribuiu para a promoção do «heroísmo» dos membros do KKK com O Nascimento de uma Nação, filme então visto por 50 milhões de espectadores. Numa sequência lógica da sua ação, o ódio aos negros estendeu-se, igualmente, aos emigrantes, aos comunistas, aos judeus e até aos católicos.
Em 1924 os 4 milhões de membros com que então contava, foram suficientes para impor aos Estados do norte as leis de emigração, que perduraram nos quarenta anos seguintes.
Sucessivos escândalos internos e a Grande Depressão contribuíram para enfraquecer a organização, ainda mais desacreditada durante a Segunda Guerra Mundial, quando não escondeu as suas simpatias fascistas e nazis. Se desapareceu durante uns anos, o KKK voltou a reaparecer como resposta ao Movimento pelos Direitos Cívicos. Mas essa é abordagem já transferida para a segunda parte do documentário, a que trata das Ressurreições.
Em 1954 o Supremo Tribunal declarou inconstitucionais as leis de segregação racial nas escolas públicas. Ressurgindo com a cumplicidade das autoridades locais de alguns Estados, procurou contrariar uma tendência, que se revelaria incontornável. Em 1963, a marcha sobre Washington mobilizou centenas de milhares de pessoas consonantes com o sonho de Martin Luther King, tendo como resposta a explosão de uma bomba numa igreja em Birmingham, Alabama, causadora da morte de quatro raparigas. Se bem que os autores do crime tenham sido rapidamente identificados, J. Edgar Hoover arquivou a investigação.
No ano seguinte o assassinato de três militantes dos direitos cívicos, envolvidos nas operações de recenseamento das populações do sul, causou tal escândalo, que o patrão do FBI já não consegue evitar a investigação, que coincidiu com o decreto de Lyndon Johnson a pôr fim á segregação racial.
Nos anos seguintes o Ku Klux Klan perdeu 70% dos seus membros e diluiu-se numa nebulosa muito diversificada de suprematistas brancos, que hoje constituem a putativa tropa de choque de Donald Trump. Segundo Mark Potok do Center for Analysis of the Radical Right o ainda inquilino da Casa Branca tenta atiçar os medos e os ódios ancorados no imaginário racista para catalisar a angústia de um número significativo de brancos angustiados com os efeitos económicos, sociais e culturais que se vivem atualmente. A extinção de empregos em setores, que a globalização afetou, enfatiza-se com a sensação de estar em curso uma transformação social feita de valores ainda impensáveis quinze anos atrás, porque quem imaginaria hoje legais os casamentos entre pessoas do mesmo sexo em todos os Estados da União?
Outra assombração tem a ver com a demografia, que mudou dos 90% de brancos no conjunto do país em 1950, a tenderem para menos de 50% nos próximos vinte cinco anos. O racismo, que cresceu notoriamente durante os dois mandatos de Barack Obama, encontrou terreno mais favorável no de Donald Trump. Embora, uma vez mais, a realidade tenda a torná-lo obsoleto: aumenta exponencialmente o número dos casamentos mistos e os recenseados brancos tendem a ver reduzida rapidamente a sua supremacia percentual. Ademais os cerca de cinco mil neonazis distribuídos por uma trintena de grupúsculos tendem a odiar-se tanto entre si, quanto aqueles que fazem gala em anunciar como seus inimigos fidalgais.
As quase duas horas de duração do documentário de David Korn-Brzoza permitem um olhar informado sobre o passado e uma perspetiva otimista sobre o fim deste tipo de extremistas.
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