Enquanto cinéfilo sempre tenho priorizado o nome de quem assina a realização quanto aos filmes capazes de justificarem a ida às salas de cinema. Mas havendo atrizes e atores, que dão o mesmo tipo de caução para saber intelectualmente estimulante esse investimento em tempo, Joaquin Phoenix é um desses casos.
A imprevisibilidade é talvez a primeira coisa que se nota. Nunca se sabe exatamente o que Phoenix vai fazer numa cena - não porque improvise de forma aleatória, mas porque habita os personagens com uma intensidade tal que eles parecem ter vida própria, fora do controlo do próprio ator. Em "Joker" (2019), de Todd Phillips, essa imprevisibilidade torna-se perturbadora: o riso descontrolado de Arthur Fleck não é apenas um tique nervoso, é uma janela aberta para um abismo psicológico que Phoenix obriga a espreitar. Vê-lo transformar-se gradualmente num homem capaz de violência extrema não é reconfortante - e não deve ser. O desconforto que o filme provoca vem em grande parte da forma como Phoenix veste aquela personagem até às últimas consequências, sem rede de proteção, sem piscar os olhos perante o que há de mais sombrio na psique humana.
Essa capacidade de mergulhar em personalidades complexas e emergidas em temas profundos torna-se ainda mais evidente nas colaborações com Paul Thomas Anderson. Em "The Master" (2012), Phoenix interpreta Freddie Quell, um veterano de guerra alcoólico, violento, sexualmente obcecado, à deriva num mundo do pós-guerra que não compreende nem o compreende a ele. A parceria com Philip Seymour Hoffman - que interpreta o carismático líder de uma seita - produz alguns dos momentos mais intensos do cinema recente. Phoenix não procura tornar Freddie simpático ou justificável mostrando-o antes na sua brutalidade animal, na incapacidade em se integrar, na necessidade desesperada de pertença. É um desempenho fisicamente exigente - a postura encurvada, os movimentos abruptos, o olhar selvagem - mas também emocionalmente devastador.
Com Ari Aster, em "Beau Is Afraid" (2023), Phoenix leva essa intensidade a território ainda mais delirante. Beau Wassermann é um homem consumido pela ansiedade, pela culpa, pela relação tóxica com a mãe, e Phoenix transforma-o numa figura simultaneamente patética e trágica. O filme é uma viagem alucinante, kafkiana, pelo inconsciente de um homem à beira do colapso total - e Phoenix nunca deixa que olhemos para o lado. Aster, realizador assaz criativo que não tem medo de exigir tudo dos seus atores, encontrou em Phoenix o intérprete perfeito para esse delírio controlado que é o seu cinema.
Mas há também "Her" (2013), de Spike Jonze, onde Phoenix interpreta Theodore Twombly, um homem solitário que se apaixona por um sistema operativo com inteligência artificial. Aqui, a intensidade é de outra ordem: mais contida, mais melancólica, mas igualmente devastadora. Grande parte do filme consiste em Phoenix a falar sozinho, reagindo apenas à voz de Scarlett Johansson - e no entanto, acreditamos completamente naquela relação impossível. É um desempenho de uma vulnerabilidade rara, sem os maneirismos do galã de Hollywood, sem glamour, sem vaidade.
E é precisamente essa aversão ao lado glamouroso de Hollywood que torna Phoenix tão singular. Ele raramente dá entrevistas, quando as dá é frequentemente desconfortável ou até hostil, recusa papéis em blockbusters vazios, escolhe projetos arriscados que podem facilmente fracassar. Há nele uma espécie de integridade punk, uma recusa de jogar o jogo da indústria. Quando ganhou o Óscar por "Joker", o discurso que fez foi sobre justiça animal e a arrogância humana - não sobre a sua carreira ou o seu talento. É um ator que parece genuinamente desinteressado da fama, interessado apenas no trabalho, na possibilidade de explorar o lado sombrio, complexo, contraditório da condição humana.
É isso que justifica as idas às salas de cinema quando o nome dele surge nos créditos: a certeza de ser surpreendido, encantado, incomodado no bom sentido. O desconforto como estímulo para sacudir certezas cristalizadas. Phoenix dá amiúde tudo isso - uma intensidade sem concessões, uma recusa de facilitar, uma cumplicidade com realizadores que não têm medo de ir fundo. Num tempo em que tanto cinema parece feito para não incomodar ninguém, Phoenix continua a escolher personagens e filmes que nos obrigam a olhar para o que preferíamos não ver. E por isso mesmo, continua a ser imprescindível.

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