No início dos anos setenta passava amiúde pela rua do Coliseu e detinha-me a espreitar para a programação das sessões da meia-noite do Politeama, que me interessavam de sobremaneira por cultivar então uma predisposição ativa para os temas relacionados com o género do terror. Era o tempo em que ia lendo Lovecraft e, no cinema, consumia as produções dos estúdios da Hammer, vistas com maior agrado em relação às de origem espanhola, como é este o caso. Agora, porém, aproveito a oportunidade para aferir essa opinião com uma produção apimentada pelo facto de, em parte, ter sido rodada em Sintra e Cascais.
"Dracula prisoneiro de Frankenstein" (1972), de Jesús Franco, é uma coprodução filmada em Espanha (no castelo de Santa Bárbara em Alicante) e em Portugal (em Sintra e no Palácio dos Condes de Castro Guimarães em Cascais). Ver o castelo dos Mouros filmado na bruma e em contra-campo para servir de fachada ao castelo de Drácula, ou reconhecer a placa dos correios de Sintra transformada em tabuleta de estalagem, ou ainda o palácio de Cascais a servir de clínica psiquiátrica do Dr. Seward - tudo isso acrescenta ao filme um interesse de reconhecimento topográfico que não existia quando o vi pela primeira vez.
Mas não é suficiente para alterar a opinião formada há meio século. Franco realizou este filme em reação deliberada contra "Les Nuits de Dracula" (1969), onde se esforçara por ser fiel ao romance de Bram Stoker. Aqui, pelo contrário, assume a liberdade total: Frankenstein chama-se Rainer e não Victor, Seward chama-se Jonathan e não John, Dracula torna-se por momentos um "fantoche de ventríloquo", e a ação decorre num tempo e lugar propositadamente indefiníveis - Seward desloca-se de carruagem mas o motorista de Frankenstein conduz um carro fúnebre moderno e um Mercedes.
Franco quis fazer um filme "no espírito de uma banda desenhada", uma homenagem direta às produções da Universal que reuniam os monstros emblemáticos do estúdio - "La Maison de Frankenstein" e "La Maison de Dracula" de Erle C. Kenton. Mas foi mais longe ainda: fez um filme quase mudo. Na versão original espanhola, é preciso esperar vinte minutos antes de ouvir o primeiro diálogo, e os seguintes são raros e breves. Franco apoia-se quase unicamente nas imagens e conduz a narrativa sem "palavreado intrusivo", como nota Stephen Thrower - um regresso a uma tradição ainda mais antiga que a do cinema de terror da Universal.
A crítica francesa massacrou o filme quando foi apresentado no festival de Sitges em 1972 e depois aquando da sua estreia comercial. Pierre Gires, em L'Écran fantastique, não teve piedade: "Fica-se confundido perante tanta nulidade!", "uma agressão inexcusável cometida sobre os nossos queridos monstros". Michel Grisolia, em Cinéma 73, chamou-lhe "coisa completamente obscura onde nada, absolutamente, se passa". Só Paul Vecchiali, na Revue du cinéma, reconheceu a Franco "um gosto certo na escolha dos cenários, das cores e das intérpretes femininas".
Os admiradores do cineasta defenderam o filme como um dos "mais líricos, desconcertantes e belos" da carreira de Franco. Tim Lucas chegou a afirmar que se trata do filme que "Murnau teria podido fazer se a Universal lhe tivesse encomendado La Maison de Frankenstein dando-lhe película a cores". E foi Jean-François Rauger, ao programar o filme na Cinemateca Francesa em Janeiro de 1994 (numa sessão dupla com "Les Expériences érotiques de Frankenstein", na presença de Howard Vernon), quem inaugurou a redescoberta e reavaliação progressivas dos filmes de Franco em França - tendência que culminaria na retrospetiva de 2008.
Compreendo agora melhor o que Franco tentava: "um cinema anarquista e inventivo, pedindo ao espectador que colabore um pouco e contando as histórias de uma maneira mais elíptica, de uma maneira que corresponde melhor à literatura e ao teatro atuais", como declarou em 1974. O "carácter visivelmente improvisado de certas cenas", como nota Alain Petit, traduz "essa necessidade vital de liberdade" e "a febre criadora" que o levaria a assinar doze filmes num só ano.
Mas essa compreensão não altera a preferência. Passado mais de meio século, continuo a preferir as produções da Hammer com Christopher Lee e Peter Cushing - onde o terror gótico mantinha uma elegância, uma solenidade, um respeito pelos mitos que Franco deliberadamente destroçava. A anarquia tem o seu lugar no cinema, sem dúvida. Mas o adolescente que espreitava os cartazes das sessões da meia-noite na rua do Coliseu procurava outra coisa: não a desconstrução dos monstros, mas a sua celebração solene. E essa, a Hammer sabia fazer melhor que ninguém.

Sem comentários:
Enviar um comentário