quarta-feira, janeiro 19, 2022

Uma versão da batalha de Estalinegrado

 

Pode-se sempre conjeturar o que teria acontecido na História do Século XX se, em fevereiro de 1943, os alemães não tivessem dado como definitivamente perdida a batalha de Estalinegrado. Pouco entusiasta das histórias alternativas acredito que eles teriam sido travados noutra qualquer batalha nas vastas estepes russas até por, nessa mesma altura, também já marcarem passo no cerco a Leninegrado. E parece-me óbvia a pressa com que os Estados Unidos entraram no conflito europeu e no norte de África ao preverem a rapidez com que a bandeira vermelha poderia vir a ser hasteada em Berlim.

Os dois volumes de «Vida e Destino« de Vassili Grossman são dos mais interessantes testemunhos dessa batalha até por ter sido por ele vivida na cidade à beira do Volga para onde fora enviado como repórter de guerra de um dos principais jornais soviéticos. O heroísmo e espírito de sacrifício dos soldados do Exército Vermelho e das populações russas e ucranianas são por ele testemunhadas, sobretudo na primeira parte, a que tem por subtítulo «Por uma causa justa».

Reajo com menos entusiasmo ao segundo volume, aquele em que Grossman derivou para a denúncia do estalinismo equiparando-o ao nazismo, tese muito pródiga nas direitas, mas cuja fundamentação não compro por existirem diferenças abissais entre ambas as ideologias por muito que o número de vítimas se meçam por milhões num e noutro caso. Grossman terá aproveitado as circunstâncias propícias das conclusões do XX Congresso do PCUS para desenvolver uma continuação da história anterior - que também reviu e alterou - a que a CIA se agarrou com unhas e dentes ao entendê-la  ferramenta muito útil aos seus desígnios durante a Guerra Fria. Não deixa de ser curiosa, a esse título, a preferência dada pela propaganda ocidental ao romance de Grossman em detrimento do «Gulag» de Soljenitsin desde a defeção deste último de um paraíso capitalista afinal muito escasso das virtudes, que lhe antevia, quando ainda era um dissidente no país de origem.

Se Grossman pretendia criar uma réplica de «Guerra e Paz» de Tolstoi bem se ficou pelas intenções. E acredito que mais facilmente haja quem hoje se dedique aos seus escritos com propósitos ideológicos do que por nele pressentir uma epopeia literária digna dessa ambicionada filiação. Resta o interesse para quem aprecia a história da Segunda Guerra Mundial e neles encontra matéria tão interessante quanto o de muitos outros livros sobre o tema. Mas sempre salvaguardando a deriva de Grossman para conotações equívocas só porque sentiu um clima antissemita a crescer à medida que Truman e Churchill pareciam apostados em aproveitar o estado ruinoso da economia soviética para avançar para os propósitos, que a subsequente guerra fria iria clarificar.

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