Para recordar o essencial da obra da brasileira Tarsila do Amaral (1886-1973), aqui evoco três dos seus quadros, criados respetivamente em 1923, 1928 e 1933.
Valerá, porém, lembrar o nascimento da artista em berço de ouro numa fazenda de café do Estado de São Paulo onde os hábitos cosmopolitas europeus dos seus donos entravam em contradição com a tradição esclavagista nela implementada.
Interessada pela produção artística e não estando abertas as matrículas às mulheres nas Escolas das Belas Artes brasileiras, Tarsila rumou à Europa para estudar pintura com um dos grandes mestres cubistas de então: Fernand Léger.
Não ficaria, porém, à margem da grande revolução cultural propiciada pela Semana da Arte moderna que, em fevereiro de 1922, decorreu em São Paulo e lançaria o primeiro movimento modernista do Brasil com o assumido propósito de renegar do academismo das influências europeias e de buscar a originalidade inerente á realidade sul-americana.
«A Negra«, o primeiro desses três quadros aqui referenciados, acaba por ser ambíguo quando ao pretendido por esse movimento artístico: querendo representar a brasilidade através de uma mulher negra, que amamenta e acarinha os seus filhos, Tarsila esquecia a violência inerente à sociedade extremamente hierarquizada em que pretendia reajustar-se depois de abandonar Paris definitivamente.
Viu-se então numa cidade em ebulição, a industrializar-se intensivamente e a crescer em altura. Rebelde, Tarsila assume-se na sua condição de mãe celibatária e dá cores vibrantes aos quadros, celebrando neles a euforia do mundo moderno.
Participa, então, numa viagem empreendida por uma caravana de artistas modernistas até ao Brasil profundo tal qual era ainda o interior do Estado de Minas Gerais. «Abapora» já traz essas referências relativas a um Brasil primitivo e genuíno, que promove sob a égide do movimento antropofágico.
Numa evolução, que vai alterando a estética proposta nos seus quadros ela vê a Grande Depressão de 1929 reduzir a nada a fortuna da família e adere ao Partido Comunista no mesmo ano em que apresenta «Operários».
Faz por essa altura uma prolongada viagem à União Soviética, que lhe serve de estímulo para o incremento da consciência social. Porém, sem dinheiro, só consegue regressar ao Brasil depois de trabalhar durante alguns meses na construção civil em França para ganhar o suficiente e garantir essa travessia atlântica.
Os dissabores não se dissociam de si: as ideias políticas levam-na à prisão durante a ditadura de Getúlio Vargas, muito embora o valor e consideração pelas suas obras não cesse de crescer.
Nos anos crepusculares ficou paralítica depois de uma operação à coluna e aproximou-se do espiritismo e do seu principal expoente, Chico Xavier. Mas, nessa altura, já era uma sombra de quem fora antes desses cinzentos anos 60.
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