quinta-feira, janeiro 20, 2022

Oitenta anos depois...

 

1. Passam hoje oitenta anos sobre a sinistra Conferência de Wannsee que Irene Flunser Pimentel desvaloriza como sendo aquela em que a “Solução Final da Questão Judaica” foi decidida, porquanto não faltaram atos anteriores de genocídio sobre quem os nazis entendiam perpetráveis à luz da sua ideologia de supremacia racial.

O artigo que a historiadora assina na edição de hoje do «Público» relativiza essa questão, mas é igualmente interessante quanto a outra decisão tomada na altura: a do destino a dar às comunidades judaicas dos países neutros (como teoricamente Portugal então era) e que não perdiam pela demora: Reinhard Heydrich, o responsável pela eliminação dos judeus, prometia estender idêntico desiderato a elas tão-só Hitler assegurasse a vitória nazi. O que, convenhamos, não constitui uma surpresa tendo em conta o fanatismo ideológico dos que estiveram presentes na hora e meia, que durou o evento.

2. Na véspera da Conferência de Wannsee nasceu Nara Leão, que hoje seria recém-octogenária se o cancro no cérebro a não tivesse levado tão cedo.

No artigo em que a evoca - igualmente na edição de hoje do matutino da Sonae - Nuno Pacheco lembra que Maria Bethânia dela disse há dois anos que foi a chave para o conto de fadas que Deus escreveu pra mim” e, na mesma linha de pensamento, Sérgio Cabral afiançou ter sido “um ser humano de uma fertilidade impressionante (…) inaugurando caminhos e tendências e revelando valores esquecidos ou que estavam em início de carreira”. Por isso  a considerou “uma valente mulher que nunca perdeu a serenidade. Uma doce guerreira.”

E, porque com tudo isso, e muito mais, concordo, tenho por Nara Leão duradouro apreço, que me leva a, amiúde, ouvi-la enquanto voz das mais belas que o Brasil nos tem proporcionado.

3. Num documentário sobre Hitchcock lembra-se que mudou-se de armas e bagagens para a zona de São Francisco nos finais da década de 50 para livrar-se da asfixia a que os estúdios de Hollywood o sujeitavam. Desse exílio interno, e para paragens não muito distantes, resultaram dois dos seus mais memoráveis filmes: «A Mulher que Viveu duas vezes» e «Os Pássaros».

No primeiro a cidade dos significativos declives nada apresenta de turístico, antes revelando-se inquietante, se não mesmo ameaçadora, enquanto Scotty persegue a misteriosa Madeleine e por ela cria uma descontrolada obsessão amorosa. No caso daquele que foi um dos primeiros filmes de terror a sugerir animais como causadores da mortal ameaça para com os humanos, Hitchcock aproveitou o ambiente de Bodega Bay, onde continuam a ser imensos os bandos de gaivotas e pelicanos, para mostrar como a Natureza pode virar-se contra quem tanto a molesta. Dois grandes momentos de uma prodigiosa filmografia.

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