quinta-feira, janeiro 13, 2022

A mulher que fugiu

 

Belo filme o de Hong Sang-soo, que lhe garantiu o Urso de Prata em Berlim. Em menos de oitenta minutos acompanhamos Gam-hee na visita a duas amigas a quem, há muito, não via, somando-se por acaso um terceiro encontro com outra, sua antiga rival amorosa, que lhe surripiara o namorado.

Assistimos a diálogos sobre o improvável amor e felicidade com os homens a servirem de tema subjacente, confirmado pelos que surgem como presenças secundárias: o vizinho que não gosta de gatos, o poeta obcecado por aquela que o recebeu uma vez no leito, o tal ex-namorado. Por isso uma dessas amigas é divorciada, outra contenta-se com amizades coloridas e a terceira confessa-se pouco feliz com quem lhe coube na rifa.

A própria Gam-hee, que vem de cinco anos passados exclusivamente com o marido, de quem não se ausentara um só dia, acaba por repensar a relação amorosa neste périplo concretizado enquanto ele tivera de sair de Seul por motivos de negócios.

Se a mulher que fugiu do título parecia associar-se à vizinha da primeira das amigas visitada, que abandonara marido e filho em proveito de outro tipo de vida, a própria Gam-hee parece tentada a imitá-la com a cena final em que regressa a uma sala de cinema onde pode perder-se em contemplação para com uma paisagem marítima sem outro motivo de atração, que não a placidez que convida ao olhar.

É filme de rigorosa geometria, todo ele construído em repetição de planos e sons, mesmo que focados em  sítios e momentos diferentes. Por isso cria um prazer, que confirma a ideia de serem os filmes asiáticos os que, nos últimos anos, mais nos costumam encantar. E nem precisariam de contar com a notável interpretação de um gato que, só ele, já merecia um prémio de interpretação num qualquer dos festivais em que o filme se exibiu.

Resta acrescentar o singular exercício de autoironia, quando  Hong Sang-soo se replica num personagem acusado de sempre repetir os mesmos propósitos ao falar para os telespectadores. Não se costuma acusar (injustamente) o realizador de andar, há muitos anos, a repetir sempre o mesmo filme? E mesmo que assim fosse, que mal viria ao mundo por tal acontecer, se o resultado é tão gratificante? 

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