Nunca compreendi a razão porque, ao contrário de Picasso, Luis Buñuel aceitou voltar a Espanha no final dos anos sessenta para rodar «Tristana», que se estrearia em 1970. Nesse regresso parecia caucionar um regime franquista, que quereria dar uma imagem aligeirada do seu modelo de ditadura quando, por essa mesma altura, não mostrava pejo em ir garroteando presos políticos. Talvez o apelo de rodar em Toledo tenha sido mais forte, porque aí passara momentos felizes da juventude, quando Lorca ou Alberti partilhavam com ele animadas tertúlias. E julgasse possível pegar no romance de Benito Perez Galdós criando uma denúncia incisiva da Espanha de então, mesmo que a história se situasse meio século atrás.
Don Lope, personificado por Fernando Rey, é o tipo de nobre falido, que concilia íntimas convicções ateias e até socialistas, com a importância conferida às aparências, sem esquecer a forma pervertida como toma conta da sua pupila - a inocente órfã interpretada por Catherine Deneuve - fazendo-a sua amante e, depois, legitima esposa (pois se a própria Igreja valida o matrimónio!), quando, condenada a ver-se amputada de uma perna, volta-lhe ao redil depois de fugaz romance com um artista.
As contradições de certos progressistas de opereta e da sociedade conservadora, que se desejaria parada no tempo, é o tema de um filme, que não é, de todo, um dos meus preferidos do realizador. Mesmo que Tristana acabe por revelar-se eficaz na vingança, sujeitando o algoz à sua fria indiferença, sabe-me a pouco por muito que me fique como impressão maior esse sonho em que a protagonista vê a decepada cabeça de Don Lope a servir de badalo num sino de igreja. E que Buñuel revele a impressionante habilidade de mudar as nossas simpatias iniciais por Tristana para esse marido, que ela maltrata com requintes de malvadez...
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