terça-feira, outubro 12, 2021

Havarie, Philip Scheffner, 2016

 

À partida havia um pequeno vídeo de menos de quatro minutos publicado no You Tube por um dos passageiros do paquete «Adventure of the Seas», que captara o encontro em setembro de 2012 com uma pequena barcaça de emigrantes  a 38 milhas do porto espanhol de Cartagena e a 100 de Orão, donde terão partido.

Com esse material e expandindo-o para um único plano-sequência de lentos fotogramas a prolongarem-se por  hora e meia, o realizador alemão Philip Scheffner criou um filme hipnótico em que a pequena embarcação ondula num horizonte feito de céu e mar sem fim enquanto a banda sonora alterna entre as comunicações trocadas pelo navio e pelas autoridades marítimas espanholas e os relatos de quem busca a Europa inebriado pelas esperanças dos sonhos de melhor futuro, que compense os medos vividos durante esta autêntica odisseia.

Há também as vozes dos tripulantes, eles próprios a viverem as travessias marítimas com a sensação de sempre estarem fora do tempo, num lugar indefinido entre dois portos. Afinal uns e outros imbuídos da necessidade de sobreviverem num mundo  que os força a sair de casa e a conseguirem sustento onde ele parece mais promissor.

Trazendo ao espectador a realidade dos que atravessam o Mediterrâneo e, frequentemente, nele se afundam, estamos perante um eloquente exemplo do que significam as desigualdades entre quem tudo parece ter, como acontece entre os endinheirados passageiros do navio, e os náufragos expectantes quanto a aparecer quem os venha salvar. Numa ilusão, que redunda muitas vezes em tragédia para estes últimos, e quase sempre em irremediável desilusão. Porque também o «paraíso europeu» está muito aquém de satisfazer todos os sonhos de quem já nele habita. 

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