De maneira que é claro. Os títulos dos livros de Mário de Carvalho são muitas vezes expressões que apelam para o fácil diálogo que ele, ou os seus personagens, entabulam connosco. No meu caso já lhe acompanho a prosa desde «Contos da Sétima Esfera» tornando-me tão seu fiel leitor, que procuro cada nova proposta tão só elas apareçam nas livrarias.
Alturas houve em que me fez rir desbragadamente, forçando-me a partilhar a experiência de leitura com todos os amigos mais próximos, também eles rendidos a histórias tão imaginativas. Aconteceu com o livro de contos seguinte, os situados no Beco das Sardinheiras que, anos depois, ainda continuam a ser referenciados pelo inusitado de muitas das situações aí expostas.
Noutros casos as histórias adotavam outra seriedade fosse com militares à beira de uma piscina, fosse com quem frequentava a Costa de Caparica para trocar algumas ideias sobre o assunto, que eram lidas de fio a pavio com a pressa de chegar-lhes ao fim e conhecer o desenlace.
Característica comum numas e noutras: a riqueza lexical, que me obrigava, e continua a obrigar, a recorrer ao dicionário para me surpreender com o significado de palavras desconhecidas.
O livro agora lançado adota vertente autobiográfica do autor, mediante quase uma centena de textos de página e meia sobre esparsos episódios do seu passado sem obediências cronológicas. Há-os passados na infância entre os arrabaldes de Setúbal e as sucessivas mudanças de morada em Lisboa, a época do liceu quando via o pai ter problemas com a Pide, que ele próprio replicaria quando chegou à universidade. Recorda a adesão e a militância no Partido e a clandestina passagem das fronteiras ibéricas até se ver a salvo do outro lado dos Pirenéus só parando numa pequena cidade universitária sueca.
Aleatoriamente sucedendo-se uns aos outros, sem que lhe descubramos fios condutores para além de todos coincidirem na mesma identidade e no mesmo pensar, encontramos algumas das emoções recolhidas de toda a sua obra anterior, só dela se nos apartando as situadas noutras épocas e noutros tempos. O que até pode nem ser verdade porque estamos numa vasta e eclética obra em que até os mouros corridos de Lisboa por Afonso Henriques aqui vieram novamente batalhar e só não viram bem sucedido o intento, porque se atrapalharam em hora de ponta num engarrafamento da Avenida Gago Coutinho.
De maneira que é claro ... que acabámos por ler as quase duzentas páginas com o agrado do costume!
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