1. Não foram poucas as vezes que passei diante da estação ferroviária de Pointe Noire numa altura em que estava ao abandono devido a um importante acidente causador de muitas vítimas. Mas já a sabia ponto de chegada da linha vinda de Brazzaville, objeto de intensa denúncia de André Gide, que acompanhara-lhe in loco a construção e denunciara o uso intensivo do trabalho escravo.
Há quase cem anos o escritor encabeçara uma campanha mediática de grande impacto sobre os crimes do colonialismo francês sem porém os conseguir travar. A infraestrutura, tão necessária as empresas metropolitanas para assegurarem o escoamento das matérias-primas, prosseguiria até à sua inauguração em 1934 e o trabalho forçado ainda se manteria na legislação colonial francesa até ao fim da Segunda Guerra Mundial.
2. Le Pays des Autres e Regardez-nous danser são dois romances fundamentais na obra de Leila Slimani de quem me apresto a ler aquele que lhe valeu o Goncourt há sete anos. E que para tal descoberta me servirão de referência.
Nesses dois títulos ela cria ficções com muito de autobiográfico sobre o Marrocos do tempo dos avós (o primeiro) e dos pais (o segundo).
Le Pays des Autres decorre logo após a Segunda Guerra quando a alsaciana Mathilde vai juntar-se ao marido na zona montanhosa próxima de Meknés frustrando-se com um tipo de vida muito diferente da por ela imaginada, quando se apaixonara e decidira acompanhá-lo no regresso à terra donde partira. Em vez do amor romântico descobriria a indiferença de um homem mais interessado no trabalho do campo do que nela, também impossibilitada de conviver com os colonos da região. Vigorava ainda o protetorado francês estabelecido em 1912 e o nacionalismo não tardaria a manifestar-se sob a forma de revoltas sangrentamente esmagadas.
O segundo tomo dessa saga familiar começa quando a independência já dura há doze anos e Essaouira, cidade da costa atlântica está a ser tomada de assalto pelos hippies europeus e norte-americanos.
Aicha deseja de mais liberdade e emancipação para as mulheres da sua geração confrontando-se com as tradições misóginas da cultura dos mais velhos. E há o rapaz vindo do interior do país e fascinado por esses estrangeiros com quem acamarada sem contudo se fazer verdadeiramente integrar no seu mundo.
Embora Leila Slimani não mereça particular simpatia ideológica - é notória a sua simpatia pelo macronismo! - vale a pena conhecer-lhe a obra como reflexo de uma mentalidade neocolonial, que lhe subjaz as ficções.
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