terça-feira, fevereiro 21, 2023

Relatos de um genocídio e a sombra da aventesma

 

1. No ano que vem passarão trinta anos sobre os dias de maio de 1994 quando a população hutu do Ruanda empunhou as catanas e matou os vizinhos tutsis depois de um processo de diabolização, que o governo instigara à semelhança do que os nazis tinham feito com os judeus durante a década de trinta do século transato.

O que surpreende da leitura dos três livros, que o antigo jornalista do «Libération» Jean Hatzfeld publicou sobre o tema, é o complexo de culpa das vítimas sobreviventes perante a morte de tantos amigos e familiares e a falta de remorso dos assassinos, que dificilmente reprimem a pena de não terem levado o genocídio até ao fim, mesmo saldando-o em centenas de milhares de assassinados.

Ouvindo as vítimas (Dans le nu de la vie), os algozes (Une Saison des Machettes) e testemunhando como voltaram a interagir juntos nas mesmas aldeias e vilas em que decorreram os massacres (La Stratégie des Antilopes), Hatzfeld dá-nos sobejos motivos de reflexão, sobretudo nesta altura em que, uma vez mais sentimos, enquanto europeus, os efeitos de uma guerra absurda, que tarda a resolver-se na mesa das negociações.

2. A qualidade literária é pobre, mas as Memórias de Edmundo Pedro valem pelo interesse em conhecer a sua versão sobre os tempos de jovem comunista, mesmo não se cansando de abjurar essas crenças, e, sobretudo sobre a experiência de dez anos no Tarrafal.

À distância de quase um século fica o testemunho de quanto uma geração se afadigou e sofreu para acabar com a ditadura salazarista, não sendo raras as mortes por tuberculose ou por brutais agressões, que resultavam no incremento da determinação para a luta por parte dos que nela investiriam maior valentia. E Edmundo Pedro - por isso mesmo tão vilipendiado pelos admiradores da aventesma! - foi por certo um dos seus mais corajosos opositores.

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