A ficção literária continua fértil na possibilidade de questionarmos sobre o mundo em que vivemos.
Romance interessante o de Elena Medel, que lhe valeu o reconhecimento de lho incensarem como o melhor de entre os publicados em Espanha há dois anos. As Maravilhas começa com uma epígrafe de Philip Larkin, que lhe dá prévio sentido: “clearly money has something to do with life”. E é assim de facto para Maria, Cármen e Alicia, que, apesar de ligadas pelos vínculos do sangue, se tornam estranhas entre si por serem de sobrevivência as preocupações dos respetivos quotidianos, tanto mais que a ela se associa a noção de poder. Perante a necessidade de ganharem o sustento, e onde se alojarem, vão-se distanciando entre si até de pouco valerem os conceitos de mãe ou de filha.
A Espanha vai mudando do franquismo para a acinzentada pertença a um espaço económico europeu, mas onde não mudam as distâncias entre explorados e exploradores, ou entre as mulheres eivadas do desejo de se afirmarem e os homens, que as procuram, de formas diversas, aperrear.
Como tudo poderia ser diferente se a falta de dinheiro não constituísse freio para que os sonhos se realizassem plenamente...
Insatisfação social é também o que sente Kaarlo Vatanen, o protagonista do romance Le livre de Vatanen de Arto Paasilinna. Quando, no regresso de uma reportagem jornalística, atropela uma lebre ele vai floresta dentro à sua procura, tomando-a como companheira de um périplo pelo território finlandês, de sul para norte, que é também uma viagem filosófica sobre os motivos para se ter desencantado da vida urbana. A mesquinhez dos homens vai-se explicitando à medida que os vai contactando no percurso, também marcado por algumas curtas estadias na prisão, acusado de múltiplas infrações. Mas concluindo-se com a definitiva evasão - a que lhe abre o ensejo para viver livremente como, até então, não sucedera.
Outra leitura enunciadora de uma utopia alternativa à da nossa contemporaneidade é a do romance testamentário de Aldous Huxley, escrito em 1961, dois anos antes do seu passamento. A Ilha é o contraponto do Admirável Mundo Novo, porque Pála tem uma sociedade sem exército, nem dinheiro, que põe em causa o cinismo de Will Farnaby, jornalista enviado para a ilha a mando dos que conspiram para lhe reverter o modelo utópico e franquear-lhe o acesso aos que intentam explorar-lhe as ricas jazidas de petróleo sobre que assenta. As abruptas falésias podem servir-lhe de proteção contra os invasores, mas a ganância encontra forma de angariar os apoios para pôr em causa o que aparenta ideal mediante a evidência da igualdade entre quem a habita.
De alguma forma está aqui representado o pessimismo de Álvaro Cunhal quando, no fim da vida, constatava a impossível concretização das ideias por que sempre se batera dada a fatal tendência dos homens para em si albergarem as mais vis características...
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