segunda-feira, agosto 08, 2022

O Rei do Riso, Mario Martone, 2021

 

São poucos os atores e atrizes que justificam a decisão de ir vê-los ao cinema, mesmo sem nada saber do filme em causa, apenas por o seu nome nos dar garantias do tempo bem passado. Toni Servillo é um dos raros, que continua a justificar essa atitude não faltando quem o incense como melhor ator atual.

Não me foi fácil, porém, aderir a este O Rei do Riso, que comecei por estranhar no excessivo histrionismo do protagonista e nas muitas cenas com a representação teatral das vicissitudes por que passa o personagem Felice Sciosciammocca, capaz de divertir o público e obrigando a descontinuar esse outro personagem da commedia dell’arte, que era Polichinelo.

Passado na Itália, e sobretudo na Nápoles dos inícios do século XX o filme homenageia Eduardo Scarpetta, o mítico ator, que viveu entre 1853 e 1925, e antecedeu Tótó como nome maior do teatro italiano. Homem muito conservador nos costumes e valores, não o era porém na sexualidade exuberante, que o fazia viver rodeado da mulher legítima, das amantes e dos seus muitos filhos. Sustentava, pois, a numerosa família, graças aos sucessivos êxitos de bilheteira nos teatros, invariavelmente cheios de rendidos espectadores.

Episódio maior abordado no filme é o desaguisado com Gabriele D’Annunzio, o poeta que era quase monumento vivo da Itália unificada, e símbolo intocável até ao momento em que aderiu sem escrúpulos à ideologia fascista. Atrevendo-se a parodiar La Figlia di Lorio, tragédia pastoral, que o leva à epifania de transformar os personagens masculinos em femininos e vice-versa, Scarpetta vê-se ameaçado judicialmente de ter de pagar indecorosa indemnização, que o levaria facilmente à ruína.

Na segunda metade o filme focaliza-se nesse processo sobre a legitimidade, ou não, de cobrar direitos de autor a quem caricatura algo, e Scarpetta só se livra da alhada ao assumir-se como grande ator na audiência em que o tribunal se apresta a condená-lo. Mas o filme ainda revela a sua relação com alguns dos filhos ilegítimos Titina, Eduardo e Peppino De Filippo, que viriam a revelar-se igualmente revolucionários na forma como definiriam o teatro e o cinema italiano nas décadas seguintes.

Notável na reconstituição da Itália da belle époque, O Rei do Riso é como Pessoa caracterizou a coca-cola. Primeiro estranha-se, depois entranha-se... 

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