terça-feira, agosto 23, 2022

Abraços Desfeitos, Pedro Almodovar, 2009

 

Nas Canárias é a ilha de Lanzarote a que prefiro, compreendendo perfeitamente que tenha sido a escolhida por José Saramago para se exilar depois da desconsideração imposta pelo (des)governo de Durão Barroso. A estadia em Arrecife garantiu-me o encontro com essa paisagem lunar, que depois vi exemplarmente vertida para cinema em dois filmes quase simultâneos: este de Almodovar e o José e Pilar  de Miguel Gonçalves Mendes no ano seguinte. A cena em que, neste último, o nosso Nobel resume a morte a um dia estarmos aqui e no seguinte já não - tendo o vento a agitar-lhe as melenas e a esvoaçar os cabelos da companheira -, nunca mais a esqueci.

Quando o realizador espanhol perdeu a mãe, figura tutelar e quase imprescindível, foi para essa ilha, que quis fazer a catarse por se ver num décor condizente com a sua tristeza. E quando, dez anos depois, criou o argumento deste filme, também ele focado num longo luto, foi para esse cenário que remeteu. Aí ocorre o suposto acidente, que vitima o realizador Mateo Blanc e Helena, a atriz do seu último filme e com quem vivera paixão tão assolapada, quanto efémera, por culpa do marido dela, cujos ciúmes assumiram uma intenção assassina.

Ela morrera, ele ficara cego, reconvertendo-se em argumentista bem sucedido graças à colaboração de Diego, seu secretário e quase filho adotivo. Quando um acidente atira o rapaz para uma cama de hospital é a ele que Harry Caine, o pseudónimo com que escolhera ocultar a sua antiga identidade, revela o sucedido catorze anos antes, quando vivera a felicidade absoluta e dela se vira drasticamente apartado.

Misturando o thriller com o melodrama, Abraços Desfeitos é um dos mais apreciados filmes de Almodovar por nele se poderem encontrar múltiplas referências a muitos dos filmes anteriores, mormente ao Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos.

Pessoalmente, e depois dos seus melhores títulos - Tudo sobre a minha mãe (1999) e Fala com Ela (2002) - foi com este filme (em parte) lanzarotiano, que Almodovar melhor se aproximou dos píncaros do seu talento.

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