quinta-feira, agosto 11, 2022

Mulheres a contas com dificuldades extremas

 

1. As coincidências não acontecem só nos livros de Paul Auster: dois primeiros romances, um de Doris Lessing, o outro de Marguerite Duras, corroboram a ideia de, literariamente, ser eficaz a demonstração do fracasso dos fazendeiros brancos em territórios em que quiseram assentar como conquistadores e lhes foi inevitável a falência. A elas poderia juntar outra mulher, Karen Blixen, também prova viva dessa evidência através da experiência colhida na sua quinta no Quénia. Em ambos os casos ficou comprovada a distância entre a puerilidade dos sonhos coloniais e o banho frio da realidade.

Publicado em 1950, e logo garantindo a possibilidade de se profissionalizar como escritora, The Grass is Singing, permitiu à escritora britânica verter para o papel aquilo que vivera na quinta familiar de Banket, no norte do atual Zimbabwe, onde o pai nunca conseguiu o prometido eldorado nos 1200 hectares de terra recebidos da tutela colonial depois de perder um braço na Primeira Guerra Mundial. Mas aborda, igualmente, o tema da sexualidade inter-racial, através dessa Mary Turner, que morrera assassinada depois da ligação íntima com o criado Moses e cuja história se conta em flash back.

Curiosamente, Marguerite Duras publicou Uma Barragem contra o Pacífico no mesmo ano, relatando, através da sua alter-ego Suzanne, a ineficaz ajuda à mãe viúva na salvaguarda da propriedade indochinesa a que ela se candidatara mas, invariavelmente, inundada todos os anos pelas águas vivas das monções. Ademais, não contando com grande ajuda do irmão, Joseph.

Ambos são romances sobre mulheres desencorajadas pelos desafios suscitados por circunstâncias desfavoráveis, com Lessing e Duras a darem dos homens a imagem de fraqueza que, ao invés de ajudarem, mais contribuem para agravar as dificuldades.

2. Por outro tipo de adversidades passou Marianne Faithful que a France Culture evocou num dos seus recentes programas a propósito do seu momentâneo desaparecimento durante a primeira metade dos anos 70 quando, separada de Mick Jagger, foi sem-abrigo nas ruas do Soho e levou as experiências com drogas até à beira do abismo.

Renascendo em 1976 com o álbum Dreamin’ my dreams, ela é um dos mais animosos exemplos de uma Eurídice abeirada do inferno e dele conseguindo regressar transformada para melhor.

Mas a evocação conteve outra curiosidade: no meio desse período sombrio ela apareceu num programa da NBC, vestida de freira a cantar o I Got You  dos Sonny & Cher, acompanhada do ainda quase desconhecido David Bowie.

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