Os crimes cometidos sobre os índios, que viviam no atual Canadá, foram execráveis, justificando o pedido recente de perdão do papa Francisco pelo contributo para eles conferido pela Igreja Católica. Mas o debate sobre a forma como os colonos britânicos humilharam e quase eliminaram as Primeiras Nações continua a ser tema muito atual por todo o Canadá.
Nancy Huston, escritora nascida no estado de Alberta, mas a viver em França há muitos anos, pôde ganhar a distância suficiente para aliar o militante feminismo à frequente referência ao genocídio perpetrado nessa terra natal. Neste romance, publicado em 1993, ela tem em Paula a protagonista, apostada em iniciar um longo périplo estrada fora para evocar o avô acabado de morrer. Debaixo do asfalto das autoestradas que rasgam as grandes planícies adivinha os possíveis sinais das comunidades chacinadas pela ganância dos emigrantes brancos a quem se atribuíram quintas, logo transformadas em ranchos de cri
ação de gado, onde outrora os Black Foot e outras tribos haviam cavalgado em liberdade, sem se verem cingidos nas exíguas e improdutivas terras das reservas.Vindo da Irlanda nos finais do século XIX, onde falira o negócio de vacas leiteiras, o antepassado de Paula que começara por atravessar o oceano e instalar-se na região, seria um dos perpetradores do crime coletivo, convertendo-se num peão das ambições do governo da colónia britânica.
Momento alto do romance é a descrição do Stampide, primeiro desfile em Calgary, no ano de 1912, em que índios foram trazidos das reservas para, enfeitados com os seus trajes, sujeitarem-se à humilhação de serem apresentados como os derrotados do sucesso branco. Mas nasce então a relação amorosa desse avô Paddon com a mestiça Miranda, sem que ele nunca venha a ter a coragem de romper com a família pequeno-burguesa para se entregar seriamente a quem representa uma filosofia de vida, que sabe mais de acordo com quanto melhor o realizaria. O professor primário, que ganhara respeitabilidade na cidadezinha onde se estabelecera, não poderia associar-se publicamente a quem representava o lado selvagem de uma terra, que os brancos pretendiam domesticada.
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