sexta-feira, junho 24, 2022

Carrie, Brian De Palma, 1976

 

Quarenta e cinco anos depois volto a um filme que deu-me muito prazer, porque confirmou o interesse pela filmografia do então prometedor Brian De Palma (de quem já vira o singular Fantasma do Paraíso), pelos romances de Stephen King (de quem me tornaria leitor frequente) e pelo talento de Sissy Spacek (se bem que este título figurasse doravante como a sua mais icónica interpretação).

De Palma começava o filme com o recurso ao seu muito glosado plano-sequência, primeiro na cena do jogo de voleibol, que permite situar Carrie como alguém à parte das colegas de liceu, depois na do duche a acompanhar o genérico e pela qual assistimos ao terror de se ver hemorrágica, sem compreender o significado da até então desconhecida menstruação. Inesquecível o momento em que, na posição fetal, é acarinhada pela surpreendida professora de ginástica.

Melhor lhe compreendemos a personalidade timorata, quando conhecemos a mãe, interpretada pela excelente Piper Laurie, que criou uma forma muito pessoal de entender a religião com o pecado da carne a motivar-lhe a quase exclusiva obsessão. E, se o liceu se chama Bates - o mesmo apelido que o hotel de Hitchcock em Psico - intuímos ser esse cenário o melhor ajustado na referência cinéfila ao mestre ou não ocorra aí a cena com o facalhão, que começará a travar a fúria destruidora da protagonista.

De fio a pavio o filme expressará contínuas relações de forças entre todos os seus personagens, seja entre professores e alunos, mães e filhas, alunos assediadores e suas vítimas.

Na cena culminante - a do baile em que Carrie e Tommy Ross serão eleitos o par do ano - De Palma recorre ao suspense baseado no McGuffin tão explorado por Hitchcock: nós espectadores sabemos aquilo que os personagens desconhecem, antecipando assim o que se seguirá. À magia do instante da consagração seguir-se-á o horror sem limites, potenciado no recurso ao ralenti para ainda mais o perdurar.

Quando Carrie usa os poderes telecinésicos para a catarse do trauma em que se vê sanguinolentamente mergulhada, deixa de haver fronteira entre o bem e o mal, entre rapazes e raparigas, entre crença e agnosticismo, entre real e imaginário. De Palma multiplica os artifícios técnicos para a exaltação visual e sonora do massacre num caleidoscópio que acentua a ideia de caos.

Se o fogo induz a ideia de purificação é por ele que culpados e inocentes morrem. E arrisco dizer que nunca mais De Palma foi tão eficaz em fazer-nos perdurar a memória de um dos seus filmes. Porque, quarenta e cinco anos depois, ao revê-lo, concluí quase nada dele ter esquecido. E continuar-me a fascinar! 

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