terça-feira, junho 14, 2022

Fanny e Alexandre, Ingmar Bergman, 1982

 

Das muitas hipóteses de efemérides a comemorar durante o corrente ano o do 40º aniversário da estreia deste filme de Bergman faz todo o sentido. Porque as referências autobiográficas nele inseridas, muito ajudam a explicar o conjunto da sua obra, seja na versão longa com cinco horas de duração, seja na mais curta, que não perde a coerência por se ver privada de algumas das cenas da que lhe serve de alternativa. Em ambas temos a expressão do ambiente e dos valores, que nortearam a construção da personalidade do jovem Ingmar nos anos em que viveu em Upsala, ao mesmo tempo que serve de ajuste de contas contra uma matriz religiosa cerceadora do espírito de liberdade, que sempre almejou como direito inalienável.

Se o filme começa no ambiente festivo de um Natal, que dá da família das duas crianças uma aparência ideal, depressa se compreendem as mentiras, que descobrem por acaso e as prepara para a fase seguinte quando o pai lhes morre em cena - era ator numa representação de Hamlet - e veem-se sujeitas a um padrasto, que personifica o Mal absoluto embora na aparência de clérigo religioso. Porque se esse mal, relativamente bonançoso que haviam antes descoberto, acobertava-se na clandestinidade do que se escondia por trás das portas fechadas, o que vêm a enfrentar na casa do padrasto será vivido sem quaisquer disfarces.

Se Saramago precisasse de apresentar um exemplo lapidar da sua justificada desconfiança quanto à bondade de qualquer das religiões monoteístas, o deste filme cumprir-lhe-ia o objetivo na perfeição. Porque, na rigidez dos dogmas e na forma como se julga no direito de castigar quem a eles se não submete, o Bispo Vergérus, corresponde à máxima expressão do que é um refinado patife.

Que o filme entre na terceira parte a levar-nos a assumir a empatia com os esforços da família Ekdahl para libertar a jovem esposa do bispo e os seus enteados das grilhetas em que ele os enclausurou só o enquadra como defensor da tese em como o virar costas a um qualquer deus é a condição maior para alguém se sentir livre. 

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