domingo, junho 05, 2022

Ao Sabor da Ambição, Wong Kar Wai, 1988

 

Doze anos antes da obra que dele prefiro -  In the Mood for Love - Disponível para Amar - Wong Kar Wai estreou-se na realização com este filme de gangsters aparentemente convencional, porque respeitador do código de um género pródigo no cinema produzido em Hong Kong, embora seja igualmente evidente a influência de Mean Streets, que Martin Scorcese realizara quinze anos antes, levando alguns críticos a considerarem ter aqui um não assumido remake.

Wah, o protagonista, nunca ascendeu a grande estatuto na tríade a que pertence, mas revela-se farto do vórtice de violência e incerteza em que vê transformados os dias. Daí que, quando a prima Ah Ngor chega de Landau para aferir o estado dos pulmões, afetados por indefinido mal, começa por comprovar-lhe as muitas horas de sono necessárias para se refazer das emoções e dos excessos de álcool da véspera.

O encontro entre os dois possibilita aquilo que será comum nos filmes posteriores do realizador: a hipótese de redenção na forma de uma vida alternativa conjeturável em sonhos, mas dificilmente, ou mesmo impossível, de se concretizar. Sobretudo quando ao amor pela prima, contrapõe-se em Wah o dever de lealdade para com o sócio, Fly, que multiplica episódios de irresponsabilidade na pressa de ganhar o reconhecimento e tornar-se alguém para todos quantos quer impressionar, mormente a mãe que o despreza.

Entre a noite de Kowloon, filmada em grandes angulares, que tudo deforma e relativiza, e a Landau diurna onde a natureza se faz presente numa espécie de paraíso prometido, que se converterá na perdida utopia, Wong Kar Wai enfatizará a inevitabilidade da almejada transição.

O brio, o talento, o conhecimento dos códigos e, sobretudo, a presença de Maggie Cheung, que se tornará na atriz mais constante na filmografia do realizador, tornam este filme numa experiência interessante. Até por nele se explicitar um dos mais memoráveis beijos da História do Cinema.

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